terça-feira, 19 de outubro de 2010

SEGUNDA-FEIRA, 18 DE OUTUBRO DE 2010



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Tornei-me eleitor em 1963. Era ano de eleições municipais e corri para tirar meu título assim que completei 18 anos, dia 29 de julho. A votação seria dia 2 de outubro. Ninguém com idade inferior podia votar. De cara, fui convocado pela Justiça Eleitoral para ser mesário e achei isso uma honra (hoje dou risada, claro). Os mesários iam trabalhar de gravata. Coloquei meu terninho e lá passei todo o dia, foi interessante. Nas fichas dos eleitores havia fotos, e quando não tínhamos o que fazer nos divertíamos rindo das caras mais feias e dos nomes mais esquisitos. Foi um dia inesquecível na minha vida e grande aula de democracia.
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Exatamente um ano depois veio o golpe militar e o nosso prefeito de Santa Maria (RS), do PTB (que não era esse partido de araque de hoje, era o partido mais poderoso do país), foi preso e cassado. Era um médico simpático, o Paulo Lauda, fumante inveterado. Já morreu há muitos anos. Seu vice, que teve o mesmo destino do titular, era um amigo da minha família, o professor Adelmo Genro, pai do Tarso Genro, novo governador do RS. Morreu há alguns anos, e mesmo idoso continuava combativo, escrevendo artigos na imprensa de Santa Maria. Foi uma pessoa formidável e inesquecível.
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As eleições do passado empolgavam o Brasil de ponta a ponta, com paixões e discussões acaloradas entre os eleitores. Quando se aproximava o dia de votar, só se ouvia esse assunto em toda parte, em cada botequim, em cada esquina. O rádio tinha alcance regional limitado, e as poucas emissoras de TV só alcance local, municipal. A grande arma das campanhas eram os comícios. Os candidatos faziam uma maratona percorrendo o país de ponta a ponta, um comício em cada cidade, repetindo sempre o mesmo discurso, claro. Haja voz. Quando chegavam lá no nosso interior gaúcho já era um sacrifício falar, todos com voz rouca, que lhes conferia um tom dramático. Deixavam a barba por fazer, usavam paletós surrados, para passar uma imagem de heróis despojados, em luta e sacrifício pela salvação do mundo.
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Hoje, a TV, numa pincelada de dois minutos, faz o trabalho que naquele tempo, década de 1960, consumia no mínimo seis meses de jornada cansativa dos candidatos, sem direito a domingos. Era puxado. Mas, por outro lado, o país inteiro conhecia todos eles ao vivo, nas praças, ou, em caso de chuva, em algum cinema local ou ginásio fechado, alugado às pressas. Com 13 ou 14 anos, não mais do que isso, eu já comparecia em todos os comícios do PTB, passava a mão numa bandeira, me infiltrava no palanque, e na maior cara de pau ia ficar lá na frente, ao lado do candidato. Essa presença infantil não só era tolerada como virava um prato cheio para os candidatos. No dia seguinte eu estava na foto do jornal local, na primeira página, junto com o homem.
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Quando Leonel Brizola, ainda muito jovem, concorreu ao governo gaúcho, em sua primeira grande eleição majoritária, se não me engano em 1959, passei o comício todo ao lado dele, num entusiasmo que certamente ajudava a empolgar a multidão ali na frente. Tudo indicava que eu seria político. Até minha família comentava isso. Mas o jornalismo falou mais alto, foi e continua sendo minha grande paixão.
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Tantos anos depois, agora com 65 anos de idade, de repente me vi novamente na peleja política, neste blog. Foi este debate inusitado entre eleitores. Algo realmente inusitado, e impensável há alguns anos, não muitos. Uma inovação extraordinária. Não posso dizer que única, porque o universo da rede web já é abrangente, existem espaços para opinião por todo o lado. Mas certamente poucos discorrendo a partir de uma grande provocação cultural, que foi o artigo. Concorde ou não, conteste ou não, o artigo foi a mola propulsora e o convite para o aprofundamento das discussões. Tem gente que diz: política não se discute. Errado: se discute sim, porque seus erros e acertos refletem nas vidas de todos nós, para o bem ou para o mal. É uma responsabilidade que todos temos que dividir.
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O dia da decisão está chegando. Por favor, me poupem agora de qualquer polêmica. Com toda sinceridade, não terei mais fôlego, isso é exaustivo. Só estou vindo aqui para cumprimentar o Edward de Souza e a todos vocês por essa oportunidade ímpar do exercício democrático e para fazer um último apelo: votem conscientes, com profundo senso de responsabilidade.
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Quero supor que todos nós desejamos o melhor para o povo e para o nosso amado Brasil. Muda apenas o olhar crítico de cada um. E, ganhe Dilma, ou ganhe Serra, vamos nos tratar aqui com o mesmo respeito, sem revanchismos tolos. E mais: sejamos todos “oposição”, a partir da posse, cobrando dela, ou dele, tudo que prometeu. E mais um pouco, principalmente moralidade no uso do dinheiro público, que não é deles, é nosso!
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*Milton Saldanha - Jornalista, escritor, eleitor há 47 anos.
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