Encontro, no meio de vários envelopes, umas folhas dobradas, já amareladas com o passar do tempo. Abro-as e verifico que se trata de meu mapa astral feito há muitos anos. Procuro saber o que assinalava esse mapa, se não me engano, elaborado por uma jornalista que, nas horas de folga, exercia o papel de astróloga. Ela escreve:
Parto do princípio de que o seu ascendente é Peixes, uma pessoa afinadíssima com o mar, com características inspiradas: amor à arte, às letras, à música, enfim, formas embriagantes de expressão e percepção.
Parto do princípio de que o seu ascendente é Peixes, uma pessoa afinadíssima com o mar, com características inspiradas: amor à arte, às letras, à música, enfim, formas embriagantes de expressão e percepção.
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O ascendente também se refere ao corpo físico. Então, do lado
ascendente, está, em conjunção quase exata, o planeta Plutão. Isto porque, segundo os astros, você é suicida. Esta coisa de meta de vida associada à dissolução do corpo, a tal libertação final, a união do finito com o infinito (morte e vida se casam no momento do suicídio) me soou como um encontro de Netuno com Plutão, colocados no signo de Peixes, em aproximação com o ascendente. Plutão é o regente de Escorpião, esse bichinho que se mata, dizem com o próprio veneno, quando acuado. Plutão simboliza a morte, a água parada, a podridão da vida, os esgotos, os cantos da mente onde se escondem os símbolos relacionados à morte, os mitos, os monstros, tudo o que é destrutivo. Plutão mata o que está velho, desde afetos, idéias, valores, até o próprio corpo. E, depois, a pessoa renasce, como fênix, das próprias cinzas. Plutão no ensina a autopurificação por meio de um mergulho profundo na miséria da nossa própria existência.
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A Lua está em oposição ao Sol. O Sol está colocado no fundo do céu, que
dá um certo amor à estabilidade (conjugal, familiar, apego às raízes). O Sol, mesmo conservador, se revela ainda como inconstante porque está colocado em gêmeos, signo da comunicação, dos contatos rápidos. Quase todo geminiano é namorador, beija-flor, borboleteador. Ele vai para cá e para lá. Sol está ainda em conjunto (muito próximo) à Vênus, o que faz com que você seja charmoso, e que acredite sinceramente em cada paixão. Esta será a definitiva. Mas não será. De novo, cheio de boas intenções. Outra característica de um tipo namorador, que invariavelmente termina sozinho, sem ninguém, sem afeto: Saturno (solidão, conservadorismo) conjunto à Marte (tesão, ação, iniciativa) no descendente. Outro ponto importantíssimo do mapa diz respeito à nossa procura e ao nosso encontro com o outro.
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Assinado: Liliana.
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Ao ler esse nome, lembro-me então da jornalista, jovem e simpática, que
trabalhava em Santo André, na Sucursal de O Estado de S. Paulo. Devo confessar que, apesar de ser um mapa astral, repleto de simbolismos, reconheço haver, em suas previsões, mais acertos do que erros. Só não previu essa doença, que continua a me maltratar e a me entristecer. Os diagnósticos dos médicos do Hospital do Câncer, depois de verem as últimas imagens feitas da minha cabeça e do meu pescoço, me deixaram intrigado. Primeiro, o otorrinolaringologista Ricardo Testa desconfiou da existência de vestígios de células cancerígenas nas proximidades da laringe. Não confirmou nada, porém. O cirurgião Mauro Ikeda, que me operou da primeira vez, ao analisar as imagens, mostrou-se satisfeito com o que viu. Ressalvou, no entanto, que eu deveria passar, a partir daquela data, por um tratamento alternativo, menos agressivo ao organismo. Essa decisão teria que ser tomada pelo oncologista Ulisses Nicolau. Iria depender dele o meu futuro...
.Ao ler esse nome, lembro-me então da jornalista, jovem e simpática, que
Menos de um mês após essa consulta, comecei a sentir enjôos e a perder
o apetite. Dos dez quilos que ganhara em quinze dias, quatro sumira em apenas dois. Não conseguia comer. Para agravar a situação, tive diarréia e vômitos seguidos, o que me deixou ainda mais intrigado. Mesmo assim, angustiado pela dúvida, procuro continuar a viver, passando por sessões de fonoaudiologia para ver se consigo voltar a mastigar e a engolir normalmente. A falta de saliva impede que isso ocorra. Tenho que me utilizar de caldos, cremes de legumes, para induzir goela abaixo pequenos pedaços de peixes sem espinho. Experimentei carne e linguiça, para diversificar. Foi inútil. Só mesmo o peixe, leve e macio, passa pela goela, sem provocar engasgos.
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Na próxima quarta-feira, o vigésimo quarto capítulo de "Memória Terminal", do jornalista José Marqueiz, Prêmio Esso Nacional de Jornalismo, falecido em 29/11/2008. O Prêmio Esso de Jornalismo é o mais tradicional, mais conceituado e o pioneiro dos prêmios destinados a estimular e difundir a prática da boa reportagem, instituído em meados da década de 50.
(Edward de Souza).
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