A série que iniciamos hoje no blog escrevi nos anos 70 na revista "Realidade", uma das melhores publicações do Brasil naquela época. Depois, devido ao grande sucesso que fez em todo o País, foi reapresentada no Jornal Notícias Populares e anos depois no Diário do Grande ABC, arquivo levantado pelo amigo jornalista Ademir Medici, onde consta toda a série que assinei. Vale a pena a leitura para se saber como começou o conto do vigário no Brasil e conhecer golpes criativos, alguns maldosos, além de outros engraçados, como o "conto-do-violino", da "guitarra" e do "cleptomaníaco"...
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PRIMEIRO CAPÍTULO
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Sempre existiram vigaristas, ladrões e gente gananciosa, mas antigamente até eles eram muito, mas muito mais refinados. Existem dezenas de golpes sendo aplicados na praça ainda hoje e o número de vítimas aumenta a cada ano. Sempre vão surgindo golpes novos, enquanto os antigos retornam com nova roupagem, como os que estão sendo aplicados com a ajuda da tecnologia. Antigamente bastava uma boa conversa - o velho 171 – para ludibriar alguém. Atualmente os malandros usam celulares, computadores, internet, fax, anúncios classificados, etc... Convencem as pessoas a entregar o dinheiro, o cheque ou a senha do cartão magnético com lábia e criatividade. Contam histórias tão mirabolantes que, depois que vão embora, as vítimas chegam a sentir vergonha de prestar queixa à polícia.
O PRIMEIRO CONTO DO VIGÁRIO - Com gestos de grande cavalheiro e fala macia, o português Antonio Teodoro introduziu, em 1814, o "conto-do-vigário" no Brasil. Assim que chegou de Portugal, Teodoro conseguiu aos poucos a amizade das famílias tradicionais cariocas e dos comerciantes mais prósperos. Participando dos grandes acontecimentos sociais daquela época, foi contando a razão de sua vinda ao Brasil. Explicava a todos que era o único herdeiro de um tio muito rico, falecido em Portugal, havia pouco tempo. Por estar sendo pressionado pelos parentes interessados na fortuna, foi obrigado a deixar Lisboa, onde um procurador trataria de seus interesses. Em pouco tempo sua história se espalhou na alta roda e todos esperavam, mais dia, menos dia, que Antonio Teodoro recebesse baús e arcas carregados de moedas de ouro.
Contando sempre a mesma história, o português conseguiu se manter no Brasil quase um ano, quando começou a sentir as primeiras dificuldades financeiras. Demonstrando sua preocupação pela demora do procurador, segredou aos amigos importantes que tinha conseguido no Rio de Janeiro, suas dificuldades. Não demorou muito e começou a receber ajuda de todos. O moço de fala macia foi aceitando e vivendo como um milionário durante mais um ano, na promessa do tio vigário. Observando o que se passava, um major da polícia resolveu escrever para Portugal, solicitando informações sobre o português. A resposta não se fez demorar: "antigo malandro, muito conhecido na Rua do Ouro, aqui em Lisboa". Teodoro foi preso no mesmo dia, mas o "conto-do-vigário" tinha sido batizado.
O GOLPE MAIS APLICADO - Juntamente com a Loteria Federal, surgiu o conto do bilhete. Por incrível que possa parecer, ainda é o golpe mais aplicado no Brasil, apesar de ser antigo. Ainda é um caipira que aborda a vítima na rua: "doutor, onde posso descontar esse bilhete? Foi premiado e vim de uma fazenda onde trabalho apanhar esse dinheiro". A vítima vai responder, quando aparece, a poucos passos, um cúmplice do falso caipira, que então os convida para verem de quanto é o prêmio, aproveitando-se de uma falsa lista. O cúmplice vê o número, percorre a lista e devolve o bilhete, sorrindo e dizendo que está premiado. O "caipira" pergunta onde deverá recebê-lo e ouve a resposta que só poderá retirar o dinheiro no dia seguinte, pois está tudo fechado. O cúmplice vai embora e o "caipira" fica chorando as mágoas para o "doutor". Explica que tem que voltar à fazenda para levar remédios para os filhos e que tem medo de perder o emprego, mesmo tendo esse dinheiro para receber da loteria. Depois de muito implorar, diz que entrega o bilhete pela metade do preço e que, num dia qualquer volta para pegar o restante. A vítima oferece-lhe o que tem no bolso. E o "caipira", depois de muito pensar, resolve aceitar. No dia seguinte, a vítima tenta receber o dinheiro e vem a desilusão. A data do bilhete é falsa ou a lista do "cambista" foi alterada.
Na maioria das vezes o que faz um golpe desses dar certo é o fato de muita gente querer se dar bem com um "negócio da China." Ou é por ganância ou por ingenuidade. Alguns golpes são fraudes cometidas para garantir a execução de um crime em seguida. Nunca é demais lembrar que comprar bilhetes de loteria é uma das maneiras mais conhecidas de se lavar dinheiro. Exceto, claro, no caso do falecido deputado João Alves que ganhou mais de duzentas vezes por pura sorte, conforme acreditou a CPI dos Anões do Orçamento. Outro golpe antigo que continua sendo praticado no Brasil é o do dinheiro falso, aplicado na maioria das vezes em comerciantes.
AMANHÃ NESTE BLOG - Não deixe de acompanhar nesta terça-feira o segundo capítulo da série "Contos-do-vigário do passado e do presente". Você vai conhecer os grandes golpes praticados no Brasil, alguns inteligentes, outros engraçados, mas que sempre faziam vítimas. Muitas variações já se tornaram folclóricas e outras, adaptadas aos novos tempos, mostram que o repertório dos vigaristas se renova a cada dia.
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*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista
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