segunda-feira, 27 de setembro de 2010

DOMINGO, 26 DE SETEMBRO DE 2010
.
.
Durante muito tempo, quem sabe séculos, a corrupção tem sido um dos maiores elos que alia corruptos e corruptores em suspeita e condenável cumplicidade. No Brasil, governados e governantes em todos os escalões, ricos, pobres e remediados, fazem parte de uma lista suja que nosso País jamais conseguiu se desvencilhar. Há corruptos e corruptores na cidade, sítio, fazenda, casebres, casas, barracos, sob pontes e em mansões e castelos.
.
A nebulosa história do descobrimento do Brasil conta em verso e prosa que Cabral e seus assessores (já havia aspones na comitiva que aqui aportou trazendo os patrícios), foram admitidos pelos índios em virtude dos presentinhos oferecidos e aceitos pelos caciques, pajés e a raia miúda coberta apenas com penachos estilizados nas coloridas penas de araras e pavões tupiniquins. Aos poucos, os caciques que comandavam os pelotões, armados de arco, flecha ou tacape, foram atiçando seus desejos por espelhos, tabaco, chapéus, pulseiras e outros penduricalhos que os portugueses ofereciam pelo ouro que os indígenas carregavam, sem conhecer o valor do que entregavam aos visitantes.
.
Aí deve ter começado a corrupção com a compra ou troca de favores e, para os descobridores, o poder definitivo com a aprovação total e irrestrita dos nativos. A carta de Vaz Caminha provavelmente tenha alertado o Rei de Além Mar que aqui nas terras de Santa Cruz os habitantes, um tanto estranhos, também gostavam de um agradinho e, assim, as pendengas se resolviam com civilidade. Na sequência, pouco ou quase nada mudou, apenas a oferta e os pedidos foram sendo atualizados.
.
Passaram 510 anos e nesse tempo, governantes e governados seguem a linha do jeitinho para todas as situações. Claro que também as trocas evoluíram do espelhinho para dólares, viagens, casas, barcos, carros e, para os menos exigentes, uma bike, ou um empreguinho em estatal paga o favor. Poucos, desde o indígena até o nerd atual, tem se dado conta que existem corruptos e corruptores nas diversas áreas, mas a fatura vem para todos, indistintamente. Isso, infelizmente, está arraigado na cultura do brasileiro que corrompe ou é corrompido em todas as esferas e instituições, porém o efeito é idêntico para todos, mesmo um simples furar fila para receber a hóstia na igreja.
.
Nesses cinco séculos muita coisa mudou, mas a corrupção não, apenas evoluiu. No caso da política e dos políticos, o fato do voto ter passado da cédula de papel, em escrutínio simples, para as sofisticadas máquinas não altera o produto. A compra de votos campeia solta e todos ficam felizes, eleitores e eleitos e, mesmo com todos os instrumentos de fiscalização, a mutreta segue mais viva do que nunca, instalada exatamente nos poderes que deveriam combatê-la. Cada dia mais cintilante e aos olhos do mundo, a corrupção está enraigada no sangue verde-amarelo e já não ruboriza o povo que, sem se indignar, não só aceita como faz parte dela.
.
Vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores, presidentes, escalões menores, que são eleitos para salvaguardar os interesses do povo, são alvos de CPIs cotidianas. Ou seja, os caras que foram votados para cuidar do bem público criam mecanismos para fiscalizar eles mesmos. São pagos com o dinheiro do povo para apurar bandalheira própria. As CPIs, na maioria dos casos, funcionam mais ou menos como “colocar tamanduá para cuidar das formigas".
.
Enfim, malandragem aplicada, Cabral e sua turma, em 1.500, evoluíram até chegar aos chamados - mensalões, dólares na cueca, quebra de sigilos, compra e venda de estatais, privatização de rodovias ou apenas uma boquinha no guarda-chuva alheio - ficou embutida no cotidiano do brasileiro como regra para uma vida feliz e promissora. Outros cinco séculos, talvez, serão necessários para consertar o estrago que, pela esperteza do "levar vantagem em tudo" aqui instalada nos tempos de Cabral, poderá proliferar por mais um milênio. A Grande Família, da TV, tem em cada um de seus personagens o clone do brasileiro em busca de seus objetivos.
.
Que Alá proteja os puros, caso encontre um.
___________________________________________
*Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no Grande ABC
___________________________________________