sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

UM SONHO NATALINO
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Tarde serena. O mar tranquilo, pouco enrugado, mostrava suas pequenas ondas espumantes e brancas. Um barulho monótono e repetitivo fez com que eu, sentado em uma espreguiçadeira naquela praia, começasse a cochilar. Dia de semana, nenhum movimento. Praia deserta. Apenas as aves marinhas e outras mariscavam aqui e ali.
Não sei como, me vi em uma pequenina cidade do interior. Dessas que vistas do alto de uma encosta mais parecem presépios. Vi-me sentado a beira de um chafariz. Um grupo de garotos jogava bolinhas de gude, outro de mão na mula e alguns simplesmente conversavam.
Matronas e jovens mulheres se aproximavam do chafariz com vasilhas apropriadas para levar água. Não me viam! Aqui e ali pessoas conversavam na porta da barbearia, do botequim, do armazém... Uma rotina em vilas e cidades interioranas.
As ruas da cidade eram aladeiradas. Do alto de uma delas apareceu uma figura esquisita. Na medida em que se aproximava podiam-se notar suas feições. Enorme barba e cabelos brancos, roupas surradas, chapéu de abas largas. A guisa de bengala, um bambu. Sua figura, apesar de encurvada pela idade impunha respeito. Foi se aproximando. As pessoas ali já o conheciam. Leon era seu nome.
Parado no meio da praça levou o bambu-bengala até a boca e dele começou a extrair uma estranha melodia. Os garotos pararam o que estavam fazendo e foram se achegando junto ao velho. Os adultos olhavam curiosos.
O ancião continuava a tocar a música e se movimentava dando os primeiros passos para a saída da pequena vila. Os meninos e meninas começaram a segui-lo em fila indiana.
Eu que tudo observava e não era visto, lembrei-me de uma antiga lenda alemã originada na idade média e reescrita pelos Irmãos Grimm, “O Flautista de Hamelin”. Tudo se encaixava, o velho, as crianças, a pequena cidade...
A marcha continuava em direção a floresta que circundava a região. Alguns habitantes, curiosos, seguiam de longe aquela estranha procissão.
Minutos depois, o velho alcançou a mata densa e nela se internou e as crianças atrás, seguindo-o!
Os curiosos que de longe observavam, perceberam que à medida que cada criança colocava os pés na mata, desaparecia! E assim aconteceu com todo aquele estranho cortejo.
Os adultos estarrecidos entraram esbaforidos na floresta a procura daquele grupo desaparecido. Nada encontraram! Desapareceram como fumaça!
Impropérios começaram a serem proferidos pelos habitantes do lugar que dias antes, haviam maltratado aquele ancião.
Havia meses que o velho Leon frequentava a Vila. Não fazia mal a ninguém. Aproximou-se das crianças e em volta do chafariz contava-lhes histórias. Os guris o adoravam.
Certo dia, um morador levantou dúvidas quanto à moral do anoso. Envenenados pela má língua, prestaram queixa ao delegado. Este prendeu o contador de histórias e o submeteu a um rigoroso interrogatório. Nada conseguiram a não ser o nome que ele forneceu: Leon! Libertaram-no e o expulsaram da cidade.
Agora ele aparecera e se vingara levando os meninos para a floresta. Era véspera de Natal!
Uma cidade cujos habitantes eram profundamente religiosos. Cada uma daquelas casas tinha o costume de armar um presépio nessa época do ano usando materiais que a natureza lhes ofertava (barro, palha, madeira, etc.).
Cada morador, ao voltar para casa depois de intensas buscas, triste, completamente desconsolado, começou a orar junto aos presépios. Foi quando notaram que o menino Jesus que deveria estar na manjedoura havia desaparecido! Isso acontecera em todos os presépios, inclusive o da capela local. Um desespero geral tomou conta daquele povo religioso e místico. Nessa noite, reuniram-se todos na capela e uníssonos pediram perdão e um milagre!
Pouco antes de soar as badaladas da meia noite, uma música se ver ouvir ao longe. Era O Sino de Belém (Jingle Bells), tocada pela flauta de Leon e cantada pelos garotos em uma versão de Chitãozinho & Xororó. Um coral afinadíssimo! Bate o sino pequenino/Sino de Belém/Já nasceu o Deus Menino/Para o nosso bem/Paz na terra/pede o sino/Alegre a cantar/Abençoe o Deus Menino/Este nosso lar/Hoje a noite é bela/Vamos à capela/Sob a luz da vela/Felizes a rezar/Ao soar o sino/Sino pequenino/ (...). Os garotos adentram a igreja alegres continuando a cantar. De Leon, nem a sombra!
Foi quando notaram que a imagem do menino Jesus no presépio da igreja havia reaparecido. Alegria geral e orações de agradecimento. Todos correram para casa abraçando seus filhos e verificaram seus presépios. Em cada uma daquela alegoria natalina, o menino Jesus havia reaparecido. Lágrimas de emoção e arrependimento pelo mal praticado.
Os meninos nada souberam responder o que lhes foi perguntado. Disseram que acompanharam o velho, entraram na mata e dela saíram diretamente para a capela. O tempo? Ninguém soube explicar o que houvera entre o entrar na mata e o entrar na capela!
Acordei com alguém tocando meu ombro. Um velho andarilho com enorme barba e cabelos brancos, apoiado em um pedaço de bambu me acordara para pedir um auxílio! Enfiei a mão no bolso, tirei alguns trocados e perguntei seu nome. Respondeu com voz rouca: Noel! Afinal, era véspera de Natal! O mar continuava tranquilo e pouco enrugado mostrando pequenas ondas espumantes brancas...
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*J. Morgado é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, escrevendo crônicas, contos, artigos e matérias especiais. Contato com o jornalista pelo e-mail:
jgarcelan@uol.com.br
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