terça-feira, 19 de maio de 2009

TRAPALHADAS NA CIDADE SEM LIMITES

Oswaldo Lavrado
Estádio Dr. Alfredo Castilho, em Bauru
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MAIS HISTÓRIAS DO RÁDIO

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Nas andanças pelo Brasil para transmissões da Rádio Diário do Grande ABC, a equipe de esportes da emissora passou por várias situações, algumas monótonas, outras irritantes, muitas emocionantes e poucas curiosas. Quando a distância superava 400 quilômetros, a equipe viajava de avião e em distâncias menores com um veículo da empresa devidamente identificado. Não havia um motorista específico para conduzir os integrantes da rádio, porém alguns como Zé Moraes (Lampião), Aníbal, Poletto e o Zé Vieira (este compadre do Edward), eram os que mais viajavam com o pessoal. O Lampião, apelido herdado graças a sua semelhança com o famoso Virgulino Ferreira da Silva, “O Rei do Cangaço”, era o preferido, portanto o recordista. Foram muitas as viagens com ele ao volante e muitas as situações complicadas que, futuramente, desfilarão neste já consagrado blog.
Começo dos anos 90 fomos eu e o Edward de Souza a Bauru, para a transmissão de um jogo entre o Noroeste e o Santo André, pelo Paulistão de 1992. Desta vez, para quebrar a rotina, dispensamos o veículo da rádio e viajamos de ônibus. Era um sábado à tarde. Chegamos a recém inaugurada rodoviária de Bauru por volta das 19h e nos apressamos a tomar um táxi. Ai começava a pequena saga de nossa estada na “Cidade sem Limites”, onde fomos outras tantas vezes e sempre sem grandes novidades. Assim que deixamos a rodoviária, aboletados no táxi, meio calhambeque e já um tanto rodado, o Edward, pra puxar papo comigo e com o motorista, inocentemente disse: “a nova rodoviária fica um tanto distante do Centro, né?". Eu ia responder qualquer coisa, mas fui interrompido pelo taxista que, com cara de poucos amigos, disparou: "você queria o quê, uma rodoviária na praça central de Bauru?". Pela ríspida resposta, até o nosso destino nada mais foi dito, nem perguntado. O bom senso assim recomendava. No fundo, no fundo, minha vontade era rir a mais não poder, só de ver a cara do Edward, que engoliu a seco a resposta mal educada que recebeu, coisa rara para seu sangue italiano.
Chegamos ao Centro, descemos, pagamos a corrida e nem um até logo foi falado entre as partes. Com as malas e os apetrechos eletrônicos da rádio na calçada fomos à procura de um hotel que estivesse nos padrões de nossa verba. Como fazer para saber o preço da diária? Como sempre, aliás, o Edward teve uma idéia luminosa: "Vamos entrar neste hotel. Eu pergunto à recepcionista se tem um hóspede com o nome de Arlindo Mariano de Souza e você aproveita e olha na tabela o preço da diária. Pra quem não sabe, Arlindo é o nome do pai do Edward. Ufa, felizmente não havia nenhum homônimo e o preço da diária estava ao alcance do recurso disponível na carteira. Subimos na modesta suíte e o assunto, como não poderia deixar de ser, foi a grosseria do taxista e a simulação na entrada do hotel. Mas a noite estava só começando.
Razoavelmente instalados, banho tomado, um calor próprio do Interior, saímos a procura de um lugar pra esperar chegar a hora de dormir. Não foi difícil achar já que Bauru era nossa velha conhecida. Certamente não fomos a igreja, instalada na praça central da cidade cujo badalar dos sinos indicava 22 horas. Encontramos, na famosa e longa Avenida Rodrigues Alves, principal corredor comercial de Bauru, um local aprazível para nossa parada. Nos acomodamos numa das mesas instaladas na larga calçada e fomos atendidos por um garçom, que providenciou nosso pedido, logicamente, duas cervejas super geladas. O garçom, jovem ainda, ficou ao redor e, por acaso ou não, ouviu nossa conversa. O rapaz se afastou e logo voltou, porém com o dono do boteco. Pelo que conversávamos (eu e o Edward) o garçom percebeu que éramos do ABC. O proprietário do bar, cujo nome não lembro, era de Santo André. Aí não prestou. Abraçou o Edward, morador em Santo André, cumprimentou-me com um aperto de mão, puxou uma cadeira e sentou-se ao nosso lado. Chamou o garçom e ordenou: "traga aquela da casa aqui para meus amigos". Era uma espécie de tequila que o dono do bar afirmava ser de sua invenção e fabricação e que era uma delícia. A bebida só desceu porque fomos educados e não queríamos decepcionar o anfitrião. Mas era o diabo dentro de um copo. Entendendo que a gente estava gostando daquele ácido engarrafado, o homem obrigava o garçom a trazer mais e mais. Uns três copos depois nos despedimos do atencioso dono do boteco, não sem antes ouvir: "obrigado pela visita e, se der, voltem aqui amanhã". Nem mortos! Ao deixar o bar, tipo uma hora da madrugada, encontramos o pessoal da equipe esportiva da Rádio ABC de Santo André, nossos concorrentes, mas não inimigos. O trio, Ivanor Batista, Antônio Solla e Alcides Corrêa, nos convidaram pra uma rodada de bilhar em um salão ali ao lado. (desse pessoal da ABC, Ivanor Batista atualmente é narrador da Rádio Atual, de São Paulo, Antônio Solla morreu jovem, aos 40 anos - em 1996 - e Alcides Corrêa reside com a família em Potirendaba, sua terra natal). Deixamos o snoker por volta das 4 da matina, quando todos já trocavam a bola sete pela três, ou vice-versa. Tudo porque, na casa, infelizmente, não serviam leite com groselha, então, deu no que deu...
No domingo, tipo 11 horas, acordamos com o inevitável gosto de cabo de guarda-chuva na garganta e barulho de roda de carroça na cabeça. Alguns "epoclers" goela abaixo amainaram a maldita ressaca. Entramos num restaurante, localizado em uma travessa da Rodrigues Alves, e fomos direto ao buffet de saladas. Fazia amplo sentido. Na mesa ao lado, um quarteto de homens bem vestidos também descobriu que eu e o Edward éramos jornalistas do ABC. Dois chegaram até nossa mesa e um deles, educadamente, foi disparando: "vocês são da imprensa de Santo André, não é, mas não vão ganhar hoje da gente de jeito maneira". Eu engoli seco, mas o Edward, sentindo os efeitos da noitada, pavio menor que o meu, respondeu curto e grosso: "de fato não vamos ganhar, não jogamos bola. Somos apenas jornalistas. Se o Santo André vencer o bicho será dos jogadores e não nosso; se perder pra nós não altera nada". Os dois, percebendo que o papo não seria muito amistoso, retornaram à mesa, juntando-se a dupla que lá estava. Descobrimos ainda no restaurante que os quatro faziam parte do departamento médico e da diretoria do Noroeste, adversário do Santo André naquela tarde quente de Bauru. Fomos para o estádio, cumprimos com nosso dever profissional e à noite embarcamos num ônibus de volta para São Paulo. Na viagem não reclamamos de nada a não ser do jogo ruim e sonolento que terminou num enfadonho zero a zero. A Cidade sem Limites ficou para trás. Voltamos lá mais vezes, mas isso faz parte de outras histórias.
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*Oswaldo Lavrado - jornalista e radialista - trabalhou no Diário do Grande ABC, rádio e jornal, e comandou a equipe de esportes da Rádio Diário. Atualmente é editor do semanário Folha do ABC.
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