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Nasci em 1941, na região central de São Caetano do Sul, cidade que compõe o Grande ABC, aqui na Grande São Paulo. São Caetano era, então, a cidade das olarias; Santo André dos ceboleiros e São Bernardo dos batateiros, pelo óbvio. Apesar do progresso vertiginoso, São Caetano, a época, ainda possuía muitas ruas de terra, inclusive no centro. Foi em uma delas que nasci, cresci, estudei e somente sai de lá para morar em casa própria, no Bairro Nova Gerty, com meus pais, por volta de 1951. A narrativa abaixo ocorreu em um mês de dezembro de 1949, portanto, eu estava com 8 anos. Éramos quatro amigos na mesma faixa etária.
O ano de 1949 estava nos extertores, era véspera de Natal. Sem
nenhuma perspectiva de receber presentes e ainda acreditando que Papai Noel preferia sempre visitar os meninos mais comportados, arrumamos uma forma de ganhar algum mimo. Na rua de trás de nossa casa havia uma olaria, cujo dono, um português de vastos bigodes, reunia seus empregados e alguns garotos sem sonhos para lhes dar um presentinho na véspera de Natal. Deveria ser para aplacar sua consciência, talvez corroída pela presunção.
No interior da fábrica havia uma mesa com comes e bebes só para os
familiares do dono. Umas três senhoras, todas enfeitadas com seus vestidos largos e cintilantes, (nesse tempo mulher não usava calças... compridas) e cinco ou seis crianças, todas brancas, claro, rodeando a mesa e desfrutando dos refrigerantes, balas, bolos e outras atrativas guloseimas. A olaria fazia fundo com outra rua, exatamente a que eu morava com meus pais e irmãos. No muro havia um pequeno buraco por onde empurramos o Chico e o Adão pra dentro da festa. Foi um desastre: antes que chegassem onde estava a mesa com os comes e bebes, os "negrinhos" foram descobertos para deleite do português que, armado com um pau, surrou meus dois amigos até desfalecerem. Contou com a ajuda e colaboração de alguns empregados, brancos, ávidos em fazer média com o patrão e patroa.
Fomos para casa sem festejar a noite de Natal, uma vez que nossos pais
decidiram cancelar a humilde reunião familiar em virtude do estado de saúde do Adão que, como o Chico e o Léo, era muito querido por nossos familiares. Se o nosso pedido a Papai Noel funcionou a gente nunca ficou sabendo, mas a verdade é que o "neguinho" sobreviveu, embora tivesse ficado paraplégico sem nunca mais ter voltado a andar. Viveu de acordo com seus recursos físicos, construiu família e morreu há exatos dois anos, também em uma véspera de Natal, aqui em São Bernardo. Leonardo e Chico tomaram os caminhos indicados pelo destino. Eu mantive alguma ligação com Adão e sua família ainda por alguns anos. Léo e Chico nunca mais vi.
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*Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no Grande ABC.
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*Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no Grande ABC.
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