quinta-feira, 30 de julho de 2009

Como a imprensa de hoje contaria a
história de Chapeuzinho Vermelho

ÉDISON MOTTA

As diferentes versões sobre o que aconteceu e o estado de saúde do piloto Felipe Massa, da Formula 1, que sofreu um acidente no último sábado, fazem lembrar uma brincadeira interessante, que corre na internet. Ela demonstra como os atuais veículos de comunicação contariam a história de Chapeuzinho Vermelho, conforme o ângulo de suas respectivas linhas editoriais.
Seria mais ou menos assim:
JORNAL NACIONAL
(William Bonner): “Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um lobo na noite de ontem...” (Fátima Bernardes): “... Mas a atuação de um caçador evitou uma tragédia.”

PROGRAMA DA HEBE
(Hebe Camargo): “... que gracinha gente. Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?”


BRASIL URGENTE
(Datena): “... onde é que a gente vai parar, cadê as autoridades? Cadê as autoridades? A menina ia para a casa da vovozinha a pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva... Um lobo, um lobo safado. Põe na tela!! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo de lobo, não.”

REVISTA VEJA
Lula sabia das intenções do lobo.

REVISTA CLÁUDIA
Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho.
'
REVISTA NOVA
Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama.

FOLHA DE S. PAULO
Legenda da foto: “Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador”.Na matéria, box com um zoólogo explicando os hábitos dos lobos e um imenso infográfico, mostrando como Chapeuzinho foi devorada, e depois salva pelo lenhador.

O ESTADO DE S. PAULO
Lobo que devorou Chapeuzinho seria filiado ao PT.

O GLOBO
Petrobrás apóia ONG do lenhador, ligado ao PT, que matou um lobo pra salvar menor de idade carente.

ZERO HORA
Avó de Chapeuzinho nasceu no RS.

AGORA
Sangue e tragédia na casa da vovó.

REVISTA CARAS
(Ensaio fotográfico com Chapeuzinho na semana seguinte.) Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho fala a CARAS: “Até ser devorada, eu não dava valor para muitas coisas da vida. Hoje sou outra pessoa”.

PLAYBOY
(Ensaio fotográfico no mês seguinte) Veja o que só o lobo viu...

REVISTA ISTO É
Gravações revelam que lobo foi assessor de político influente.

G MAGAZINE
(Ensaio fotográfico com lenhador)
Lenhador mostra o machado.

SUPER INTERESSANTE
Lobo mau! Mito ou verdade?

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A mesma história, em versões diferentes

Os nossos amigos e amigas que acompanham este Blog, especialmente os estudantes de jornalismo, já devem ter se perguntado, mais de uma vez, afinal o que é a imparcialidade? Aprendemos desde os primeiros dias nos bancos das faculdades – agora relegadas a um segundo plano para o exercício da profissão – que o jornalista precisa ser imparcial. No mínimo, ouvir os dois lados de uma questão. Mas, como aferir a imparcialidade se o texto que vai preparar será aproveitado ou não conforme a linha editorial do veículo onde trabalha?
Alguma reportagem que enaltecesse algum feito do Partido dos Trabalhadores teria espaço no estadão? Da mesma forma, neste mesmo jornal alguém já viu publicada alguma notícia dando conta da exploração que o sistema financeiro faz das pessoas, especialmente as mais humildes, nas filas dos bancos ou no vexatório sistema de portas giratórias das agências?
A Rede Globo não tem qualquer interesse em investigar os financiamentos concedidos pelo BNDS assim como a Record não abre espaço para a exploração que muitos pastores fazem da fé, especialmente aqueles que chantageiam os fiéis para que vendam suas casas e demais propriedades para comprar um lugar no céu.
Imparcialidade, diriam os experientes mestres do jornalismo, não existe. Com ética e zelo profissional é possível buscar a verdade, ouvindo não apenas dois, mas quantos forem os lados implicados numa questão. Um texto que respeite o leitor haverá sempre de posicioná-lo como principal objetivo do trabalho jornalístico. Assim como não convém subestimar sua inteligência, não é prudente querer induzi-lo a esta ou aquela conclusão.
A busca pela imparcialidade, que sempre esbarra no interesse pelo sensacionalismo deste ou daquele veículo, é antes de tudo a eterna procura do equilíbrio. Qualquer leitor, ouvinte ou telespectador, por mais iletrado que seja, desconfia das informações sensacionais. Talvez por isso, a imprensa padeça, nos dias atuais, da falta de credibilidade de grande parte das pessoas. Que sempre enxergam, por traz do bombardeiro diário de informações que recebem, algum interesse escuso não revelado.
Em parte, a desconfiança não é descabida. Como estamos todos envolvidos no mesmo turbilhão, o ser humano comum é atacado em seu bom senso principalmente pelos meios eletrônicos – rádio e TV. Poucos têm tempo para se aprofundar no assunto e o que foi ao ar passa a ser verdadeiro, mesmo que logo mais à frente seja desmentido. Felizmente, temos hoje a internet. E, nela, espaço para debate e desmistificação de informações que não se sustentam. A imparcialidade, cada vez mais, ficará por conta do próprio leitor. Que, através do garimpo entre as mais diferentes fontes de informação poderá selecionar, gradativamente, os veículos que lhe forem mais confiáveis. Chapeuzinho vermelho e o lobo mau continuarão, indefinidamente, se apresentando, para uns e outros, conforme o gosto do publico alvo a que se destina o veículo de comunicação. Uma lenda que, outrora, esteve restrita a apenas uma única versão.

*Édison Motta, jornalista e publicitário é formado pela primeira turma de comunicação da Universidade Metodista. Foi repórter e redator da Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil; editor-assistente do Estadão; repórter, chefe de reportagem, editor de geral (Sete Cidades) e editor-chefe do Diário do Grande ABC. Conquistou, com Ademir Médici o Prêmio Esso Regional de Jornalismo de 1976 com a série “Grande ABC, a metamorfose da industrialização”. Conquistou também o Prêmio Lions Nacional de Jornalismo e dois prêmios São Bernardo de Jornalismo, esses últimos com a parceria de Ademir Médici, Iara Heger e Alzira Rodrigues. Foi também assessor de comunicação social de dois ministérios: Ciência e Tecnologia e da Cultura. Atualmente dirige sua empresa Thomas Édison Comunicação.