terça-feira, 25 de maio de 2010


DE VOLTA PARA O MEU

"CARIRI"
“Só deixo meu Cariri no último pau-de-arara...” Talvez seja estranho começar esta crônica com o refrão de uma música célebre, cantada pelo não menos famoso Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Mas faz sentido, acompanhem...

Li nos jornais e assisti na TV, nos últimos dias, reportagens sobre a “exportação” de mão de obra especializada para a construção civil rumo ao Nordeste e, em especial, para Salvador, na Bahia.

Uma “exportação” de filhos do Nordeste que, desde épocas remotas e até agora, ainda migram para os estados do sul devido ao flagelo que abala constantemente aquela região, incluindo, aí, o norte de Minas Gerais.

Vítimas de uma situação climática catastrófica, os cidadãos nordestinos, nossos irmãos brasileiros, ainda eram (ou são?) explorados pelo coronelismo implacável, adepto do sistema de feudos.

Cansados dos rigores da seca, passando fome e toda sorte de necessidades, os mais corajosos aventuravam-se a fazer jornadas de três a quatro mil quilômetros até São Paulo, em busca da “Shangri-La” (para eles), um local paradisíaco criado pela imaginação de James Hilton, no filme “Horizonte Perdido”.

Muitos morriam pelo caminho. Cruzes toscas marcavam o roteiro.

Depois vieram os paus-de-arara. Caminhões cobertos ou não por uma lona, transportando os flagelados da seca. As viagens duravam muitos dias. Fome, sede, doenças várias e as cruzes continuavam a marcar a passagem dos migrantes.

Aqueles que tinham um dinheirinho a mais, viajavam nos “sacolejantes” vagões da então Central do Brasil ou nos ITA, navios da Companhia de Navegação Costeira. Sobre essa viagem, Dorival Caymmi nos deixou uma canção inesquecível: “Peguei um Ita no norte/Pra vim pro Rio morar/Adeus meu pai, minha mãe/Adeus, Belém do Pará/Ai, ai, ai, ai, ai/Adeus, Belém do Pará/Vendi meus troços que tinha/O resto dei pra guardá/Talvez eu volte pro ano/Talvez eu fique por lá...”

Parte desses nordestinos se dirigia ao Rio de Janeiro. A maioria, entretanto, tinha como destino o “Eldorado”, a capital paulista.

Mudanças radicais aconteceram na cidade de São Paulo. Os cortiços existentes no bairro do Brás e adjacências que eram, antes, habitados por imigrantes italianos, espanhóis e de outras nacionalidades que ali se instalaram, oriundos do interior paulista onde foram ter como colonos em fazendas de café, foram, aos poucos, sendo tomados por migrantes vindos do Nordeste.

As favelas proliferaram. E a cidade de São Paulo cresceu em ritmo vertiginoso.

Aqueles migrantes que sofriam com a seca e o trabalho quase escravo começaram a se especializar na construção civil. Pedreiros, carpinteiros, serralheiros...Mais tarde, as indústrias começaram a arregimentar esse pessoal. Mais migrantes vinham em busca daquilo que não encontravam em seus estados de origem. Mais especialidades...

Os anos passaram. A situação nordestina continuou no marasmo até que a indústria turística alavancou o progresso daquela região do país. Indústrias começaram ali se estabelecer e, em consequência, a falta de mão-de-obra especializada.

E agora, com o boom da construção civil, faltam braços competentes. A solução foi trazer de volta os nordestinos ou filhos destes, para alavancar o “progresso” que se instalou na região, principalmente na Bahia.

Assim, depois de muito sofrimento, os irmãos do Nordeste começam a voltar para os “cariris” regionais em busca de emprego e conforto. Conforto que a maioria não encontrou no “eldorado paulista”. Inverteu-se o roteiro. Renasceu a esperança...


"A vida aqui só é ruim
Quando não chove no chão
Mas se chover dá de tudo
Fartura tem de montão
Tomara que chova logo
Tomara meu Deus tomara
Só deixo o meu Cariri
No último pau-de-arara.

Enquanto a minha vaquinha
Tiver o couro e o osso
E puder com o chocalho
Pendurado no pescoço
Eu vou ficando por aqui
Que Deus do céu me ajude
Quem sai da terra natal
Em outros cantos não para
Só deixo o meu Cariri
No último pau-de-arara."

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*J. Morgado
é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. J. Morgado participa ativamente deste blog, para o qual escreve crônicas, artigos, contos e matérias especiais. Contato com o jornalista: jgarcelan@uol.com.br
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Não percam, amanhã, o sexto e emocionante capítulo de MEMÓRIA TERMINAL, do jornalista José Marqueiz, Prêmio ESSO Nacional de Jornalismo.