quarta-feira, 27 de janeiro de 2010


O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA



Muito jovem, o telegrafista, violinista e poeta Gabriel Elígio García se apaixonou por Luiza Márquez, mas o romance enfrentou a oposição do pai da moça, coronel Nicolas, que tentou impedir o casamento enviando a filha ao interior, numa viagem de um ano. Para manter seu amor, Gabriel e seus amigos telegrafistas montaram uma rede de comunicação que alcançava Luiza onde ela estivesse. Essa é a história real vivida pelos pais de Gabriel García Márquez e foi ponto de partida de O amor nos tempos do cólera, que conta a paixão do telegrafista, violinista e poeta Florentino Ariza por Fermina Daza.

Há 25 anos, em 1985, época de seu lançamento, editado pela Record, parecia inacreditável, mas era verdade - a história de um amor improvável e impossível entre um homem e uma mulher liderava a lista dos livros de ficção mais vendidos no Brasil. E não se tratava de relação transcendental ou comédia romântica água-com-açúcar, e sim de uma narrativa encantadora, densa, carregada de paixão, ressentimento, mágoa, dor, ciúme e, essencialmente, de esperança, escrita pelo colombiano Gabriel García Márquez.

É nesta obra-prima que se desenha um dos mais espetaculares triângulos amorosos da literatura contemporânea – após um namorico com Florentino Ariza, a forte e sensível Fermina Daza se casa e vive muitos anos com o belo, mas frágil médico, Juvenal Urbino, personalidade respeitada da sociedade local, o bom partido que todas as mães desejam para suas filhas. Florentino, o inconstante, sobrou...Poeta fracassado, homem magro e mal-alimentado, apaixonado, músico, dionisíaco do Canal do Panamá à Terra do Fogo, transbordando de latinidade, vai passar a vida esperando, esperando, esperando...

Graças a esse triângulo desigual, O amor nos tempos do cólera é a parábola perfeita do caminho não trilhado, daquele amor - muitas vezes o primeiro - que não deu certo, mas que sobrevive e se alimenta por meio da esperança de um por-vir incerto, mas intensamente desejado.

Após o casamento de Fermina, por 50 anos, Florentino dedica-se a ser um homem digno do seu amor, trabalha, progride e chega a gerente de uma Companhia Fluvial do Caribe, um cargo muito importante na cidade, mas a sua vida reduz-se a ver de longe as mudanças que a vida produziu em Fermina Daza. Ele troca a sua paixão por relações fogosas e instáveis e a expressar o seu amor febril por meio de cartas que escreve a outras por obrigação. Só um pensamento o alenta e é a certeza de que Juvenal Urbino morrerá um dia e antes dele.

Afinal, o tão esperado dia chega e Juvenal Urbino morre. Para Florentino Ariza abre-se, enfim, a porta de uma possibilidade - transformado num homem culto, agradável e com brios renovados, retoma o seu amor devoto com cartas ainda mais fervorosas que as da sua juventude e que pretendem chegar ao duro e inflexível coração de Fermina. Uma história belíssima que retrata a perseverança tenaz de um amor que se prolonga até a morte, cheio de esperança. Dono de uma narrativa magistral e envolvente, Gabriel García Márquez nos leva numa viagem mágica à Cartagena do princípio do séc. XX e nos mostra do esplendor à decadência, da juventude à velhice e da nostalgia à realidade, num furor explosivo e pungente, desenhando um interessante percurso pelos recantos da cidade e na alma dos seus habitantes, revelados a partir de seu realismo cruel e poético.

O amor nos tempos do cólera narra, magistralmente, a história de Florentino e Fermina e o seu final até certo ponto insólito para os padrões estéticos de uma sociedade corroída, é inesquecível, por superar todas as barreiras e limites impostos pela hipocrisia e pelo preconceito vigentes. Basta dizer que a espera durou exatos 53 anos, sete meses e 11 dias!

Um incrível e irresistível romance que trata do amor, da velhice e da morte. O sentimento que persiste em todas as fases da vida, que mesmo que esteja destinado à morte, se mantém aceso enquanto a energia vital persistir. Com seu maravilhoso talento e seu estilo próprio de narração que insere o leitor num emaranhado de histórias sem nenhum tipo de sistematização, Gabriel García Márquez fala sobre um amor que desabrocha quando mais nada se espera da vida e, por isso mesmo, é tão intenso.

Esta obra de notável relevância que foi escrita após García Márquez receber o Prêmio Nobel de Literatura, foi levada para o cinema pelo diretor Mike Newel, com Javier Bardem interpretando Florentino; Giovanna Mezzogiorno como Fermina; Benjamin Bratt como Juvenal e a nossa Fernanda Montenegro como Trânsito Ariza, a mãe de Florentino.

Leia o livro, assista ao filme. Eu recomendo.
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*Nivia Andres é jornalista e licenciada em Letras.
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