

Éramos quatro irmãos, crianças, meu pai e mãe. As viagens, verdadeiras aventuras, principalmente porque aqueles carros não tinham hora nem lugar para quebrar, com uma frequência absurda quando comparados com os carros de hoje, de alta tecnologia. Essa dificuldade era atenuada pela notável solidariedade de todos os motoristas na estrada. Quando alguém parava, até para um pipi amigo no matinho mais próximo, era raro alguém passar direto, sem perguntar se precisava de alguma ajuda. Os caminhoneiros, então, eram todos também mecânicos. Jamais deixavam alguém na mão, mesmo que tivessem que perder um tempão. Veio disso o termo “irmão da estrada”.
Partimos de São Borja durante a noite, rumo a São Luiz Gonzaga, por sinal onde nasci, em julho de 1945, junto com o final da II Guerra Mundial, da qual meu pai tinha participado recentemente, servindo na base avançada do arquipélago de Fernando de Noronha, numa fusão de tropas brasileiras e norte-americanas.
Foi a primeira vez, maravilhado, que vi um sol nascendo. Aquela bola vermelha subindo no horizonte, iluminando os campos, enquanto a família toda festejava, eufórica pela cena. A estrada parecia um deserto, sem uma única casa à vista em extensa reta. Ainda hoje há fazendas imensas, muitas trocaram o gado pela soja. Em 1953 era tudo pecuária. Imaginem a desolação e a monotonia daquela paisagem de campos verdes que sumiam no horizonte. Era nesse caminho, inclusive, em Itu, que as famílias Vargas e Goulart, dos dois presidentes, “vizinhos de porteira”, como se diz no Sul, tinham suas fazendas.
A fome começou a bater. Durante a noite tínhamos tomado lanche no carro, que minha mãe levou num grande cesto: um peru com farofa e ovos cozidos, preparado com carinho pelo chefe da cozinha do quartel, um tipo bonachão e alegre, amigo da família.

Lembro-me que a gente se divertiu com as fotos já cinzentas em grandes molduras redondas nas paredes, com figuras certamente de cem anos passados, os parentes ancestrais daquela família, em poses austeras, com bengalas e chapéus curiosos.
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*Milton Saldanha, 64 anos, é jornalista e dono de notável memória, que adora manter sempre viva.
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Com 4 mil exemplares já nas mãos dos leitores, "As 3 Vidas de Jaime Arôxa" (A luta de um vencedor), de Milton Saldanha, pela Editora Senac Rio, é um bestseller no segmento da dança, área artística que reúne dezenas de títulos. O livro, patrocinado pela Costa Cruzeiros, multinacional dos navios, teve seu primeiro lançamento em momento inédito, a bordo de um deles, em alto mar, durante o cruzeiro Dançando a Bordo, na rota Santos-Salvador. Conta a saga de um bem-sucedido dançarino e empresário, com sucesso até no exterior, que nasceu em bairro pobre do Recife; fugiu de casa adolescente e foi morar num prostíbulo insalubre em todo os sentidos; quase foi cooptado por um estelionatário e bandido temido; passou todo tipo de dificuldade para sobreviver no Rio, sem emprego fixo; até que descobriu seu talento para a dança e fez disso sua razão de viver e motivo do seu sucesso. O livro mescla drama e humor, diverte e ensina sobre a aventura de viver, levando, sem discurso, à natural conclusão que o trabalho compensa mais que o crime.
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