
HISTÓRIAS DO RÁDIO
OSWALDO LAVRADO

Pois é, minha ex-fã radiofônica nunca imaginou que seu ídolo era um coroa (nessa altura eu já estava com 50 anos), 1.65 de altura, olhos castanhos e cabelos desalinhados e também castanhos. Estava longe do protótipo de Adônis que a senhora imaginava, infelizmente pra nós dois.
Entre outros locutores da rádio, três se destacavam pelo timbre de voz: Rolando Marques, Edward de Souza e Sidney Lima. Um trio com vozeirão de fazer inveja a qualquer Walker Blass e Antonio Carvalho (Rádio Bandeirantes), William Bonner (TV/Globo) e outros menos notáveis, mas que impostam ao máximo para tentar fazer bonito no rádio. Rolando, Edward e Sidney Lima, não precisavam desse expediente, já que foram privilegiados por Deus que lhes concedeu voz maravilhosa e absolutamente natural. Porém, igualmente fizeram admiradores (as) que além de idolatrar a voz imaginavam eles verdadeiros Brad Pitt radiofônicos.
Uma tarde de domingo no Estádio Bruno Daniel, do Santo André, estávamos na cabine de Imprensa aguardando o momento de entrar no Ar, quando surge um casal e três garotos, tipo 9, 12 e 15 anos. O quinteto subiu os mais de 120 degraus das arquibancadas para driblar o porteiro, adentrar as cabines e conhecer pessoalmente o nosso glorioso Rolando Marques, a Voz de Ouro do ABC. O casal chegou próximo da cabine onde eu estava e perguntou: "desculpe o senhor é o Rolando Marques?". "Não, respondi - o Rolando é aquele ali", indicando o grupinho onde estava nosso narrador. Acompanhei o casal e os adolescentes: " Rolando, esse pessoal subiu até aqui especialmente pra te conhecer". Tímido e humilde, como sempre, Rolando esticou a mão e cumprimentou todos. Ficou lisonjeado e um tanto ruborizado pela surpresa. No entanto, o garoto mais jovem, fã incondicional do nosso narrador até aquele momento, disparou uma inconfidência: " desculpe, mas achei que o senhor fosse bem mais jovem e vistoso". Nada mais foi dito nem perguntado. O menino, em sua inocência traduziu, talvez, o pensamento dos pais e de seus irmãos. Rolando Marques, o melhor narrador da história do rádio da região, eleito pelos ouvintes das quatro emissoras - ABC, Diário, Clube e Cacique - A Voz de Ouro do ABC, não tinha a aparência de um Antonio Fagundes, a imponência de um Toni Ramos e menos ainda a juventude de um Marcos Palmeira. Rolando era gordo, tipo Jô Soares, calvo e já passado dos 50 anos. O casal e os filhos certamente continuaram admiradores da voz de Rolando, porém, acredito, nunca mais se interessaram em tentar conhecer pessoalmente um possível ídolo radiofônico. Rolando morreu em julho de 1994. Para os fãs do Edward a frustração foi menor, mas não menos traumática. Locutor de programas musicais, narrador esportivo da Diário e correspondente da Globo/CBN no ABC, oriundo de Franca, Edward tinha um sem número de admiradores espalhados por onde chegava o som das três emissoras. Mas foi no ABC, mais precisamente em São Bernardo, que o mico acomodou-se por algumas horas no ombro do Edward de Souza. Uma noite de domingo, após o trabalho da equipe em São Caetano num jogo do Saad, estávamos na Padaria Royal, na Marechal Deodoro, Centro de São Bernardo. Era, então, o mais antigo e tradicional ponto de encontro da cidade sendo inclusive citada na coluna "Memória", do nosso Ademir Medici, no Diário do Grande ABC. Ao redor do esticado balcão da padaria estava o grupo da Diário: Edward, Lavrado, Luis Carlos Maia (plantão), Jurandir Martins (repórter), Reinaldo Nascimento, Aristides Murara e Agapito Assunção (operadores de som) e o Lampião, nosso motorista preferido. Em determinado momento adentra a padaria um quarteto de rapazes que se instala bem próximo ao nosso pessoal. Um deles, um pouco mais "alto" se aproxima e, sem cerimônia, pergunta: "Quem é o Edward de Souza?". O Lampião (sempre ele) estica o braço e indica: "È aquele ali, de bigode". Bingooo, o francano era o único do grupo que usava, e ainda usa, esse inútil instrumento, o bigode. O rapaz abraçou o Edward, beijou-lhe o rosto, disse que era ouvinte da rádio Diário e da CBN, elogiou a equipe e confessou ser um grande admirador do nosso francano, então vestido com sua indefectível jaqueta de couro puro. Mas, como todo sujeito que está um pouco pra lá de Bagdá - já havia tomado algumas - acha que é mais sincero que os outros (talvez seja), o rapaz, de nome Vanderlei, disse, num estalo: " Olha vou ser honesto com vocês. Adoro a voz do Edward, mas não esperava que ele fosse assim, gordinho e com aparência de gato molhado". Ninguém ousou argumentar o contrário com o fã do nosso querido amigo-irmão e nem o momento sugeria contestação. Assim, nada mais foi dito ou perguntado. Não precisava.
Já Sidney Lima, dono de um vozeirão, dividia seu trabalho na rádio como programador musical e repórter esportivo. Arredio e pouco comunicativo com os ouvintes, Ney Lima nunca arriscou a ser abraçado pelo mico, cena comum, como já dito acima, aos profissionais que ficam em estúdio ou num estádio tendo apenas a voz como mercadoria oferecida ao cliente, no caso o ouvinte. Ney, ao contrário de todos nós, preferia não se expor e se alguém fosse até a rádio para conhecê-lo, simplesmente orientava a recepcionista para dispensar, delicadamente, o fã ainda na entrada da emissora. Tímido, Nei Lima, guardadas algumas proporções, recorria ao mesmo expediente usado com sucesso pelo radialista Zé Bétio que, por se achar muito feio, quase nunca mostrou o rosto, e pelo locutor Luiz Lombardi (que é de Santo André e amigo meu e do Edward) locutor oficial do Sílvio Santos e que jamais apareceu para o público. Lombardi tem programa matinal na Rádio ABC (Santo André), porém não recebe nenhum ouvinte, ao contrário de seu filho, Lombardinho, DJ de rádio FM, que vive cercado de fãs.
Essa uma pitada da vida e do cotidiano do radialista, cuja primeira lição profissional é não se empolgar com um provável sucesso, que pode ser efêmero, e, em função disso, expor sua aparência ou desnudar seu maior trunfo: a mística que um locutor de rádio cria de seu personagem oculto para o ouvinte. Isso, mesmo para um radialista de sucesso, pode ser fatal.
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* Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista, trabalhou por muitos anos no Diário do Grande ABC - rádio e jornal - e dirigiu a equipe de esportes da Rádio Diário por 10 anos. Recebeu a Medalha João Ramalho, juntamente com a equipe de esportes da Diário, pela organização da Copa Infantil de Futebol do Grande ABC que reuniu cerca de 1,7 mil garotos entre 7 e 12 anos. Atualmente é editor do semanário Folha do ABC.
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