sábado, 18 de julho de 2009

UMA PESCARIA FRACASSADA
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Primeira parte
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J. MORGADO

Truco! Seis! Ladrão dos meus tentos! Esse jogo de cartas tão a gosto do pessoal do interior e nas barrancas dos rios, durante as pescarias, já durava mais de cinco dias dentro de uma tenda armada na barranca do Rio Corrente, afluente do Rio das Mortes. A cidadezinha mais próxima era Nova Xavantina, em Mato Grosso. Um acidente poucos dias antes, fizera com que a pescaria virasse um torneio de truco entre quatro amigos. Isso aconteceu em julho de 1973. Dois meses antes, eu havia sido procurado pelos outros três aventureiros, um italiano de nome Domênico, o Osvaldo e o Lúcio, todos moradores em Santo André-SP. Eu era bastante conhecido por causa da minha coluna semanal sobre pesca esportiva publicada na Seção de Turismo do Diário do Grande ABC. Frequentemente pescadores da região me procuravam para participar de suas excursões piscatórias. Aceitei o convite e a sugestão de que o destino seria o Rio Corrente. Esclareceram que no Município de Barra do Garças (MT), havia um amigo (deles) que tinha se prontificado a arrumar as embarcações. O motor de popa e o veículo, uma Variant do ano, eram dos meus novos amigos. Acertado os detalhes sobre data e demais “salamaleques”, faltava apenas traçar o roteiro para a viagem. E isso caberia a mim. Assim, no início do sétimo mês daquele ano, logo de madrugada, saímos de São Bernardo do Campo, rumo a mais uma aventura.
Rodovias Anhanguera, Washington Luiz, Brigadeiro Faria Lima, passando por Jaboticabal, Barretos até o Rio Grande, divisa entre São Paulo e Minas Gerais, foi o trecho inicial percorrido. A seguir, pela BR-050, Uberaba e Uberlândia. A partir daí, o cerrado com toda a sua exuberância, intocável, com sua fauna, riachos cristalinos e rios caudalosos. Mas, esperem um pouco... Isso foi em 1973. Tudo acabou! Cana, soja, etc. O cerrado? O cerrado... Sumiu! Ficaram os rios, acho eu!
Do entroncamento – Uberlândia – Brasília – Ituiutaba – seguimos em direção a esta última cidade e fomos adiante até alcançarmos a divisa com o Estado de Goiás, onde o Rio Paranaíba, mais abaixo, encontra-se com o Rio Grande, formando o majestoso Rio Paraná, despejando suas águas de mais de 500 metros de largura em um canal que não passa dos 80. Águas turbulentas e profundas. Outra maravilha da natureza desaparecida em nome da evolução ou da ganância...
Desde o entroncamento, a estrada era de terra e assim prosseguiria até o destino final. O cerrado, com sua flora típica, árvores retorcidas e floridas e animais silvestres encantavam-nos. O pescador amador é antes de tudo um amante da natureza e se aborrece quando tudo isso desaparece. No caminho, boiadas com seus boiadeiros. O berrante à frente. Quem viajava por essas estradas sabia com algumas horas de antecedência, que no caminho encontraria uma boiada. O “maleteiro”, um peão com sua animália carregando malas e engradados, se adiantavam algumas horas. Era o cozinheiro. No local destinado, geralmente a beira de um rio ou riacho, a bóia fumegante.
Depois de mais de 900 quilômetros percorridos, “arranchamos” em uma fazenda entre os municípios de Cachoeira Alta e Caçu, em Goiás. O dono da fazenda era meu amigo e lá ia eu ter vez outra passar alguns dias. Era época em que as perdizes, jaós e inhambus começavam a cantar. Seu canto era para atrair as fêmeas para o acasalamento. Suas “vozes” soavam de maneira como que nostálgica ou melancólica. Que saudade!
Pela manhã, partíamos. Centenas de quilômetros nos separavam do objetivo. Muitas alegrias e surpresas nos aguardavam durante o percurso. Os postos de gasolina em que abastecíamos a nossa Variant eram movidos a manivela. Sim, a manivela, não havia energia elétrica nessas estradas do sertão. A Variant estava pesada, além dos quatro marmanjos, toda a bagagem e mais um motor de popa. A conversa entre nós girava em torno de caçadas e pescarias. A cada animal silvestre que surgia na estrada era um frenesi. Veados, tamanduás, tatus, irararas, lagartos, etc. eram uma constante. Infelizmente, tudo acabou! E os culpados não foram os caçadores. A soja, a cana e sei mais lá o que, tomou conta de tudo. O cerrado, pobre cerrado... O bicho homem comeu! Os bandos de araras vermelhas, azuis... Maritacas, periquitos, papagaios, tucanos, coloriam o espaço a nossa frente! Procurávamos evitar que outro veículo passasse a nossa frente, se bem que eram poucos. O pó era terrível. Quando isso acontecia, as janelas eram fechadas senão teríamos que cuspir barro. Passamos por vários lugarejos com nomes interessantes. Lembro-me de termos feito refeições em Piranhas. Um pequeno município de Goiás. Caiapônia, entre outros lugares na região, começava a se desenvolver. Viajávamos entre as duas grandes bacias hidrográficas, a Platina e a Amazônica. Ora encontrávamos rios correndo para o sul, ora para o norte.
Enfim, chegamos a Aragarças, as margens do ainda tímido Rio Araguaia. Essa cidade foi outrora (se não estou enganado 1957/58), palco de uma rebelião militar, que como tudo aqui no Brasil, acabou em pizza. Do outro lado, Barra do Garças, município mato-grossense. Local onde estabelecemos contato com o tal amigo. Mas, essa segunda parte de nossa aventura eu conto amanhã, domingo, aqui no blog do Edward de Souza, prometo...
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*J. Morgado é jornalista, pintor de quadros e pescador de verdade. Atualmente esconde-se nas belas praias de Mongaguá, onde curte o pôr-do-sol e a brisa marítima. Morgado escreve quinzenalmente neste blog, sempre às sextas-feiras. E-mails sobre esse artigo podem ser postados no blog ou enviados para o autor, nesse endereço eletrônico:
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