As atribulações da chamada “vida moderna” e a grande capacidade de marketing conseguiram transformar a outrora tradição da Páscoa num dia eminentemente comercial. A Páscoa transformou-se, de uma festividade religiosa, para feriado comercial. Perguntem a qualquer criança o que é a Páscoa. Creio que entre cada dez, doze saberão dizer que é o dia de ganhar presentes e, principalmente, dia de comer muito, mas muito chocolate. Possivelmente até conseguir uma bela dor de barriga. As antigas tradições a respeito da Páscoa estão sendo pouco a pouco esquecidas. Ao invés de comer e beber tudo o que tem direito, a reunião familiar do domingo deveria continuar servindo para acertar diferenças, procurar no real significado da Páscoa, a meditação, o diálogo em paz, a harmonia e o perdão, pregados por Cristo. Virou tudo uma grande festa comercial. Em épocas que a nossa lembrança teima em esquecer, a Quinta-feira Santa era exclusivamente consagrada à expiação das faltas. O que se passava na Semana Santa no seio das famílias era de uma simplicidade primitiva e tocante. “Porque Nosso Senhor estava doente”, a casa não se varria, os empregados não trabalhavam, os meninos não brincavam nas calçadas. Não se cantava, não se dançava, não se tocava. Falava-se baixinho, jejuava-se, rezava-se. As donas de casa “ficavam de olho” em empregados desobedientes e nos meninos traquinas para um ajuste de contas quando rompesse o Sábado de Aleluia. Nos corredores das igrejas, nas sacristias, gente de todas as classes buscava os confessionários, desde o sábio e o alto funcionário público, até o homem obscuro e o empregado humilde, cuja metafísica limitava-se a crer e orar. O jejum, não obstante ser obrigatório sofria restrições: eram excluídos os doentes e enfermos, as senhoras grávidas e as crianças, os velhos e as mulheres que amamentavam. Havia abstenção de toda modalidade de jogos e divertimentos, e a continência, em qualquer condição, constituía uma lei. Durante a semana, comungava-se. O padre adiantava-se no silêncio glacial das igrejas, e, diante da toalha imaculada, os fiéis, de joelhos, recebiam a partícula sagrada. Na Sexta-feira Santa, a partir de seis horas, a população, vestida de luto, visitava as igrejas. Os fiéis, que deviam visitar, pelo menos, sete igrejas, dobravam o joelho no topo dos degraus, inclinavam o corpo, abaixavam a fronte, beijando de preferência os dedos do pé ou o dorso da mão ensangüentada da imagem estendida. E, erguendo-se, sacudindo a poeira da roupa, deixavam o dízimo espontâneo. Entre as famílias, entre as pessoas mais chegadas, entre o povo a frase “me perdoe alguns agravos” era a própria do dia. E este dizer tão simples, que autenticava a desobrigação da Quaresma, abrangia os derradeiros temores de uma alma purificada pela religião e pela penitência. Os açougueiros se reuniam aos fiéis nas igrejas ou então ficavam em casa. Abrir os açougues nessa época, nem pensar. Comer carne vermelha era pecado mortal, pregavam os pais aos filhos pequenos. As emissoras de rádio interrompiam na Sexta-Feira Santa sua programação normal para tocar músicas orquestradas, leves, suaves.
Mas esses tempos passaram... Nas últimas cinco décadas a humanidade se transformou. O capitalismo tomou conta do mundo e transformou tudo - ou quase tudo - em fonte de lucro, de consumo. As festas - grande parte de caráter religioso - se tornaram ocasião de um consumo maior. Esses eventos perderam seus sentidos originais, humanos, familiares e religiosos. Por isso, o propósito deste artigo é tentar resgatar um pouco das nossas coisas, das festas e celebrações e, simultaneamente, refletir sobre o sentido da vida humana.
Mas esses tempos passaram... Nas últimas cinco décadas a humanidade se transformou. O capitalismo tomou conta do mundo e transformou tudo - ou quase tudo - em fonte de lucro, de consumo. As festas - grande parte de caráter religioso - se tornaram ocasião de um consumo maior. Esses eventos perderam seus sentidos originais, humanos, familiares e religiosos. Por isso, o propósito deste artigo é tentar resgatar um pouco das nossas coisas, das festas e celebrações e, simultaneamente, refletir sobre o sentido da vida humana.
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*Edward de Souza é jornalista, escritor e radialista. Escreve aos sábados no Divã do Masini e às quintas-feiras no Jornal Comércio da Franca.
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A série "As histórias das redações de jornais" volta nessa segunda-feira, com mais um capítulo inédito envolvendo os jovens principiantes em jornalismo, também conhecidos como focas. Não percam!
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