quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010



FLAGRANTES DA VIDA (III)

Abrirei um parêntese para levá-los comigo a São Paulo, à relembrança do rádio paulista, pois seus altos valores artísticos sempre foram destaque na história do rádio brasileiro. A controvérsia no registro de fatos do rádio é comum e constatada com muita frequência. Bastaria a afirmação de que o Brasil fez sua primeira transmissão de voz em 1892, na cidade de Campinas, para alterar a história do rádio no mundo. O fato conferiu-nos a primazia de pioneiros, visto que o italiano Gughielmo Marconi somente em 1895, seguindo estudos do alemão Henrich Rudolf Hertz, logrou passar sinais de telegrafia. O estudioso brasileiro responsável pelo crédito que temos foi o gaúcho padre Roberto Landell de Moura.

Entre as inverdades circulantes na trajetória de figuras importante do rádio, tratarei de apenas duas, por ter delas absoluto domínio. Vicente Leporace (E) e Pedro Luiz Paoliello (D), ambos nascidos em São Tomaz de Aquino, bem próximo a cidade de Franca. Os dois viveram os dias da adolescência na cidade, onde já funcionava a Rádio Clube Hertz, fundada como clube, em 8 de novembro de 1923.

Naquele velho microfone a carvão em que foi gravado o primeiro prefixo - SQBL - que entreguei ao museu, iniciaram os dois, suas carreiras brilhantes. Atualmente preparo a reunião de documentos e informações que haverão de comprovar a Rádio Clube Hertz de Franca S/A como quarta do país em ordem de surgimento.

Tergiversar não era o caso, mas apesar de varias publicações, entrevistas na internet, o causo do rádio, ainda não foi adequadamente contado. Se não tenho a pretensão de tudo saber sobre o tema, me ocupo em corrigir informações a partir 1864, quando o físico escocês James Clerk Maxwell iniciou estudos, tendo morrido sem concluir seu intento. Deixou, no entanto, a teoria de que uma onda luminosa poderia se propagar no espaço vazio, atraída pelo éter.

Era a década de 40, no século passado, Ita Ferraz dirigia a recém-inaugurada Piratininga que o ouvinte insistia em chamar Cruzeiro do Sul, por força do hábito. Manoel de Nóbrega e o Torre de Babel, a jovem dupla sertaneja Tonico e Tinoco, com quem gravei para todo Brasil muitos anos mais tarde, uma série de programas: “Shell no Sertão”, direcionada à agricultura brasileira. O conterrâneo, Pedro Luiz, apesar de encerradas as inscrições, inscreveu-me em concurso no Largo do Patriarca. Eram 1.200 candidatos disputando duas vagas; fui o terceiro. A desistência de um aprovado assegurou-me o primeiro emprego em São Paulo. Foi de curta duração minha permanência naquela casa. Fui chamado a ficar ao lado de um símbolo da notícia no rádio brasileiro. Conheci José Carlos de Morais na Rádio Bandeirantes, instalada no centro de São Paulo, na Rua Paula Souza. Citar seu nome, para muitos, pode nada significar, no entanto, o Tico-Tico, o jornalista que criou a entrevista de rua, gravou de maneira forte o grande repórter. Fui com ele dividir as apresentações do informativo “Antárctica Informa”, da Rádio Bandeirantes, levado ao ar de hora em hora. Estava eu a partir do encontro com o mestre Tico-Tico, inserido na mídia política: comícios, candidatos, governos e outros que tais do setor. Mesmo não mais trabalhando na Rádio Bandeirantes, nos estávamos juntos nos palanques quando Ademar de Barros reconduzia Getúlio ao poder federal, ressurgido de um recolhimento em São Borja. Rememoro uma frase de Getúlio pronunciada naquela campanha de 50, ao lado de Ademar, em Franca: “trabalhadores do Brasil, trago minhas vestes cobertas pela poeira dourada de vossas estradas”. Um estadista daquele porte, dourar o pó de uma região, orgulhando-se de carregá-lo em sua roupa, motivava o povo feliz a cantar: “bota o retrato do velho outra vez/ bota no mesmo lugar/ o sorriso do velhinho/ faz a gente trabalhar.”

Alternando momentos, imaginando e sonhando que meu futuro haveria de sedimentar-se no Rio de Janeiro, passei a prestar serviços à Rádio Cultura de São Paulo, propriedade dos irmãos Dirceu e Olavo Fontoura. Seu diretor, José Nicolini. Hélio Araújo comandava, aos sábados, um programa de calouros, com duração de 4 horas, das 14 às 18h: Peneira Rhodia, entre tantos, descobriu Ronald Golias e Francisco Egídio, extraordinários: humorista e cantor. Poucos estarão lembrados de Bob Nelson - como dizia o doutor Assis Chateaubriand - “o cowboy sem cavalo”, campineiro, também revelado nos calouros da Rhodia na Cultura com sua adaptação de “Ó Suzana”. Ele foi o astro do olereeeiiiiiiiii, em homenagem à “Vaca Salomé”. Foi na Rádio Cultura onde conheci participando de programas, uma forte expressão da cultura brasileira: Menotti Del Picchia.

Também foi lá, durante as apresentações que fiz de shows internacionais pela Boate Arpèje - a mais requintada do Brasil - onde circulei pela mais destacada cúpula da sociedade do país. A Rádio Cultura e a Boate Arpèje uniam interesse do mesmo grupo de Olavo Fontoura.

A Boate Arpèje tinha entrada pela Avenida São Luiz, interligando-se com a Rua Basílio da Gama, bem próximo da tradicional Escola Caetano de Campos...(continua)

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José Reynaldo Nascimento Falleiros (Garcia Netto), 81, é jornalista, radialista e escritor francano. Autor dos livros Colonialismo Cultural (1975); participação em Vila Franca dos Italianos (2003); Antologia: Os contistas do Jornal Comércio da Franca (2004) e Filhos Deste Solo - Medicina & Sacerdócio (2007). Cafeicultor e pecuarista, hoje aposentado. A série Relembranças será editada em cinco capítulos semanais, às quintas-feiras, em que o profissional revisita, com sua memória privilegiada, flagrantes da vida que fazem parte da história de nosso país.
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