segunda-feira, 29 de junho de 2009

INÉDITO - NOTÍCIAS POPULARES: UMA
CASA MAL ASSOMBRADA EM PIRITUBA
EDWARD DE SOUZA
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Primeiro Capítulo
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Metade da década de 1970, no bairro de Pirituba, São Paulo, uma família se via assustada com eventos estranhos que ocorriam em sua residência, onde certo Espírito, entregando-se às suas evoluções ordinárias, lançava pedras, mexia os móveis, quebrava os vidros, até batia nas pessoas, sem que fosse possível descobrir como é que procedia. A modesta casa, que sempre fora extremamente limpa e bem cuidada, começou a sofrer ataques constantes de tijolos e terra. Sem que houvesse qualquer dano no telhado, eles se “atiravam” dentro dos cômodos, como se materializassem no ar, provocando muita sujeira e estragos nos móveis comprados com tanto sacrifício. Na cozinha, como se não bastassem esses ataques, pratos e xícaras “teimavam” em não permanecer dentro do armário, lançando-se ao chão, como se uma grande força os impulsionasse para fora das prateleiras. Por vezes, a luz do banheiro se acendia sem que ninguém estivesse naquele cômodo. Os fios elétricos que percorriam os caibros do telhado sem forro do quarto apareceram picados, como se alguém tivesse utilizado uma faca para fazê-lo. Vizinhos testemunhavam que em determinados dias, mais no final da tarde, pedras eram atiradas para a rua atingindo pedestres e carros parados nas proximidades.
Quando entrei no Notícias Populares fui privilegiado por um arranjo entre o saudoso José Lázaro Borges Campos - editor de polícia - e a direção do jornal. Como todo o jornalista na época, por determinação do Sindicato da categoria era obrigado a cumprir cinco horas de trabalho por dia, fui registrado como “Repórter Especial”, com isso recebendo duas horas a mais, sem a obrigação de cumpri-las. Era um meio de tornar meu salário mais atrativo. Mas, esse acerto tinha um custo. As principais matérias, quase sempre assinadas na primeira página do jornal mais vendido em bancas naquela década, eram feitas e assinadas por mim e, soube mais tarde, pelo Nelson Del Pino, outro grande amigo jornalista, falecido precocemente, que tinha o mesmo privilégio das duas horas extras. O fenômeno da casa mal assombrada sobrou pra mim. Achava aquele tipo de reportagem uma tremenda bobagem, mesmo sabendo do seu efeito sensacionalista. Tentei cair fora dessa incumbência. Estava acostumado a cobrir crimes da pesada, participar até de tiroteios entre policiais e bandidos - foram muitos - mesmo se escondendo, às vezes, embaixo de viaturas, mas era meu campo preferido. Tentei empurrar esse caso para o Del Pino, sem êxito, ele estava envolvido numa série sobre tráfico de drogas. Assim, marquei com o fotógrafo Tarcísio Leite e com o motorista do NP, apelidado de “Paletó”, que no dia seguinte, à tarde, horário onde o fenômeno sempre se manifestava, iríamos cumprir essa pauta, que eu nem imaginava, se transformaria numa série de reportagens. No final do expediente, quando deixei o prédio da Folha de São Paulo, na Rua Barão de Limeira – o NP ficava no quinto andar do prédio – encontrei-me com o Tarcísio e o “Paletó” na padaria situada quase em frente ao jornal. Percebi que mudaram de assunto assim que cheguei. Os dois, sorrindo sem graça, me ofereceram um copo de cerveja. Aceitei e o papo dos finais de tarde fluiu sem nenhuma novidade. Quando eu procurava tocar no assunto sobre a reportagem do dia seguinte, mudavam de conversa. Cheguei a pensar que estavam assustados diante da perspectiva de encarar o mistério da casa mal assombrada de Pirituba. “Paletó”, o motorista, era um sujeito engraçado. Pequeno, bigodes ralos e mal cuidados, cabelos longos e desgrenhados, tinha esse apelido porque insistia em usar um paletó xadrez - que era maior que ele - no frio ou calor. Bom motorista, conhecia São Paulo e região como ninguém. Tarcísio, um dos fotógrafos exclusivo do NP – os demais eram emprestados pela "Agência Folhas" - conversava pouco e era avesso às blusas ou paletós, mesmo com a temperatura baixa. Um dos melhores profissionais que tive oportunidade de trabalhar. Respeitado na profissão, contava com muitos prêmios de fotografias. Com todas essas qualidades, a dupla ficava sempre à disposição para reportagens especiais.
No final da tarde do dia seguinte, uma sexta-feira (só faltava ser 13, não era), no fusquinha azul com logotipo do NP, seguimos para o endereço da casa chamada por nós de mal assombrada, em Pirituba, distrito da zona noroeste de São Paulo, cuja origem do nome é o resultado da justaposição da palavra tupi, piri ("taboa", planta que nasce em brejos) com o aumentativo tuba ("muito"). Minutos depois que chegamos, uma multidão se aproximou, todos querendo participar da reportagem, alguns com depoimentos exagerados, dizendo que até geladeira tinha voado da casa. Depoimentos seriam usados nessa reportagem, mas era preciso prova do fenômeno, para isso Tarcísio lá estava com sua Canon com objetiva para documentar. Além dos vizinhos, seria preciso entrar na casa e conversar com os moradores, sabíamos disso.

Começo de noite. Nuvens escuras bailavam no céu de Pirituba e raios ameaçadores transformavam aquela casa, vista à distância por nós, num verdadeiro castelo de terror. Era apenas o começo do que estava por acontecer...
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Amanhã, no blog, “O feitiço vira-se contra o feiticeiro”, sequência dessa série da casa mal assombrada de Pirituba. Bom deixar claro que esse caso chamou a atenção de todos os órgãos de imprensa da época e não se tratava de sensacionalismo do Jornal Notícias Populares, ou fruto de ficção. Muitos pesquisadores investigaram o fenômeno, contado pelas próprias pessoas que vivenciaram essas experiências bizarras. São eventos típicos que compõem os chamados casos poltergeist (do alemão polter = barulhento; geist = espírito), começaram a ser assim chamados sistematicamente por Martinho Lutero (1483-1546) durante a Reforma Protestante para designar determinados eventos que, segundo se acreditava religiosa e popularmente, seriam provocados por espíritos desencarnados ou até mesmo por demônios.
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*Edward de Souza nasceu em Franca, é Jornalista e radialista. Trabalhou nos jornais, "Correio Metropolitano", "Diário do Grande ABC" e "O Repórter", da Região do ABC Paulista. Em São Paulo, na "Folha da Tarde", "Jornal da Tarde", "Gazeta Esportiva", sucursal de “O Globo”, "Diário Popular" e "Notícias Populares", entre outros. Atuou na Rádio Difusora de Franca, Difusora de Catanduva, Brasiliense de Ribeirão Preto, Rádio Emissora ABC e Clube de Santo André; também nas rádios Excelsior, Jovem Pan, Record, Globo – CBN e TV Globo de São Paulo. Medalha João Ramalho, principal comenda do município de São Bernardo do Campo, outorgada pela Câmara Municipal daquela cidade pelos relevantes serviços jornalísticos prestados à região. Troféu PMzito, entregue pelo alto comando da Polícia Militar de Santo André por ter se destacado como o melhor repórter policial do ABC nos anos 70. Prêmio Sanyo de Rádio nos anos 80, como o melhor narrador esportivo do ABC Paulista. Menção Honrosa entregue em 2007 pela Câmara Municipal de Franca e outra pelo Rotary Clube Norte pela atuação brilhante na radiofonia da cidade. Participou da antologia O Conto Brasileiro Hoje, 7°, 8º, 9º e 10º edições, com os contos “Um Visitante Especial”, “Sonhos Dourados” “A Lua de Mel” e “O Sacristão”, além de diversas outras antologias de contos e ensaios. Assina atualmente uma coluna no Jornal Comércio da Franca, um dos mais tradicionais do interior de São Paulo.
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