segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Você já deve ter lido em algum lugar que misturar champanhe ou cerveja com uísque, rebater com vodka e depois de um lauto pernil engolir dois cálices de licor não é muito recomendável. É por isso que você continua ouvindo os fogos anunciando o Ano Novo dentro de sua cabeça e na boca mantém um gosto esquisito de sopa de chumbo temperada com óleo de freio. Não se apavore. A medicina não registra nenhum caso de morte por ressaca, muito embora tudo leve a acreditar no contrário. De qualquer forma, mantenha a calma. Tome outra aspirina, coloque o saco de gelo bem sobre a fronte e tente relaxar. Segure essa ânsia de vômito, até porque não tem nada mais para sair além do próprio estômago e pare de prometer que nunca mais beberá. O Ano Novo chegou e com ele novo porre.

Resolvi que não vou fazer nenhuma promessa de Ano-Novo. Isso me livra de uma série de inconvenientes, inclusive do remorso de não cumpri-las. Não vou iniciar nenhum regime, vou continuar tomando minha cervejinha nos fins de tarde, não vou caminhar mais, principalmente agora que fui informado que o carteiro que entrega correspondência lá em casa, que andava pra burro, morreu de infarto e, principalmente, não vou me preocupar com o mundo, pois estou aqui de passagem. Sem promessas, o ano fica menor e mais leve de se carregar.

As novidades de 2011 só passarão a me interessar se conseguirmos nos livrar do retardamento intelectual e do terrorismo social em que vivemos hoje, antes que eles nos acompanhem durante todo este ano que começa hoje. Na ampulheta dos dias, os grãos correm depressa. Para se organizar em sociedade o homem inventou esse tempo do relógio, dividido em horas, minutos e segundos. E somos escravos dessa invenção. Do despertar ao anoitecer. Não dá para fugir dessa condição tão antiga, imposta pelo nosso calendário romano, que mudou várias vezes até chegar à vivência que dele desfrutamos hoje.

Sou um otimista incorrigível, apesar da gripe que me derrubou neste começo de ano, mas ando perdendo o ânimo, e isso é novo pra mim. Nunca acreditei na má índole das pessoas, sempre confiei na recuperação dos teimosos, na reabilitação dos ignorantes e confiava que, dentro do peito de cada político, também batesse um coração. Sabia dos problemas do Brasil, mas me consolavam as nossas riquezas: uma música maravilhosa, um litoral belíssimo, sol e gente alegre.

Já não me consola a beleza da Cléo Pires (foto), danem-se nossas palmeiras e coqueirais. Que me importa se a Carolina Dieckmann vai aumentar o ibope da novela, muito menos se o Totó vai ressuscitar. A indústria do entretenimento cresce e isso é ótimo, mas algo de muito sério está acontecendo atrás do palco. Com certeza muitas pessoas já traçaram metas e cultivaram expectativas para 2011, que começa atrasado, como tudo neste país, e pior, numa segunda-feira. A entrada de um novo ano é sempre recheada de expectativas e de anseios. Será este o ano da redenção ou mais um ano para ser esquecido? Viraremos a república que todos sonhamos ou continuaremos à margem das grandes nações?

Desconfio de Dilma, como desconfiava de Lula, que desconfiava de Dirceu, que nunca confiou em Delúbio. E assim, de desconfiança em desconfiança, a gente vai atravessando mais uma administração. Dilma Rousseff, se cometer alguma asneira, ao menos tem a desculpa da TPM que era vedada a Lula. Como manter o otimismo em relação a país se, no último dia do Governo Lula, alguns jornais noticiaram que por volta das 14h30 da última quinta, dia 30 de dezembro, final de feira, nada menos que US$ 53 milhões de dólares foram transferidos de Brasília para Paris? Todo mundo achou isto esquisito no Banco Central. Pode ser que a grana acabe na África ou em bancos de paraísos fiscais. Claro, depois de ser dividido com parceiros franceses. E a denúncia feita pelo jornalista Cláudio Humberto em sua coluna sobre os gastos do Governo em cartões corporativos? Desde 1º de janeiro de 2003 e até o final de outubro de 2010, o governo Lula, de acordo com o jornalista, gastou R$ 350 milhões com cartões corporativos. Durante o primeiro mandato de Lula, cartões corporativos nos custaram R$ 78,4 milhões. No segundo mandato, triplicou: R$ 267 milhões.

Na área social, o drama é ainda pior. Entramos no ano novo com filas, impostos e sem solução para tanta violência. Não podemos continuar convivendo neste novo ano com a falsificação de remédios, com o coronelismo do Nordeste, com a quantidade de crianças sem estudo, com o desvio de dinheiro público, com o mau-caratismo desbancando o Corcovado como nosso cartão-postal. Está na hora de desovar os podres desse Brasil lindo e trigueiro, reciclar o lixo que não queremos levar conosco para o milênio seguinte. Desarmamento, educação, aplicação da lei, incentivos culturais, medicina sanitária. Não pode ser tão difícil. Nem tão caro. Nem tão raro.

Chico Xavier (foto), escreveu uma vez que “podemos ter um governo mais ou menos, morar numa rua mais ou menos, numa casa mais ou menos e dentro de uma cidade mais ou menos. Podemos também comer mais ou menos bem, dormir numa cama mais ou menos, e até acreditar mais ou menos no ano novo que começa agora. Podemos, enfim, olhar em volta e sentir que tudo está mais ou menos. Mas o que não se pode, de jeito nenhum, nem nesse ano novo, nem nos outros, é ter fé mais ou menos, acreditar mais ou menos, ser ético e honesto mais ou menos, ser amigo mais ou menos, namorar mais ou menos, e, o pior, não podemos, em nenhuma hipótese, sonhar mais ou menos ou amar mais ou menos. Se fizermos isso, vamos nos tornar uma pessoa mais ou menos, que é o pior que nos pode acontecer.

*Lembro a todos os leitores e leitoras que, nesta terça-feira, dia 4, nosso blog completa dois anos de existência. Vamos comemorar juntos.
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*Edward de Souza é radialista e jornalista
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