


Na outras casas, também, nada era proibido. Por isso, eu, sempre quando tinha vontade, invadia os quintais dessas casas e pegava minha fruta preferida - laranja, caju, melancia, dependendo da época. As mangueiras predominavam na maioria dos quintais.
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Antes de completar seis anos de idade, ingressei na escola municipal,
denominada Modesto José Moreira. Lá fiz o primário e, no mesmo edifício onde funcionava a escola, tinha também o ginásio, onde cursei até o segundo ano – foi quando minha família transferiu-se novamente para Santo André. Em Bálsamo, além de estudar, cheguei a trabalhar como bóia-fria catando algodão e, depois, amendoim. Depois, passei a visitar os sítios dos arredores da cidade com um carrinho puxado à mão, arrecadando garrafas que, posteriormente, vendia no comércio da cidade. Minha última profissão em Bálsamo foi a de engraxate. Acredito que fui um dos primeiros a implantar o atendimento de engraxate em domicílio. Enquanto os demais engraxates ficavam na praça central ou andando pelas ruas à cata de cliente, eu visitava as casas, no horário marcado, e engraxava os sapatos de toda a família. Um negócio mais garantido, que foi copiado posteriormente pelos demais colegas de profissão.
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Em Bálsamo é que tomei gosto pela leitura. Meu pai era assinante da
revista Cruzeiro, já extinta, e da Readers Digest e, nas horas de folga, eu ficava lendo em sua barbearia. Na Cruzeiro, não deixava de apreciar a última página, com a crônica de Rachel de Queiróz. Ambas, proporcionam boas leituras, bom passatempo, principalmente para uma criança que começava a descobrir o mundo exterior.
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Em Bálsamo, fiz muita amizade e poucos amigos. Dois deles: Ismael e Tico.
Ismael mudou-se de lá nos anos seguintes e só o vi, depois, uma vez. Como repórter, viajava com destino ao norte de São Paulo, quando o encontrei num posto de gasolina, pedindo carona para um motorista de caminhão. Conversamos rapidamente e ele se foi. Nunca mais o vi. Tico, cujo nome era Heider José Borduqui, permaneceu meu amigo até a sua morte. Toda vez que eu visitava Bálsamo, ia ao seu encontro. Nos dias em que lá ficava, estávamos sempre juntos, nos bares, bebendo cerveja e conversando sobre a infância passada. Quando o vi pela última vez, apesar de ter parado com as bebidas alcoólicas, aceitei tomar um copo de cerveja com ele. Brindamos a nossa saúde. Ele morreu no ano seguinte.
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Quando da minha infância em Bálsamo, a imagem que tinha de Bagdá era
aquela dos castelos gigantes e misteriosos, de ruas estreitas, de bares camuflados nos porões, nos tapetes voadores, nos reis e nas rainhas e, principalmente, de Ali Babá e os 40 ladrões – este último que ficou mais famoso no Brasil depois que políticos confundiram Ali Babá como chefe dos 40 ladrões e não como o seu o seu implacável perseguidor. Bagdá me lembrava – e ainda me lembra na imaginação – a cidade dos sonhos, das lâmpadas maravilhosas realizadoras de desejos impossíveis. Jamais – mesmo nos dias de hoje – deixei que a guerra desfechada por sanguinário norte-americano, no suposto extermínio de armas nucleares, na conquista permanente da paz mundial, eliminasse de minha mente essa visão romântica.

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- Se quiser, pode entrar e descansar. Meu cunhado já foi para a UTI. 
Agradeci, respirei, como se ali estivesse um oásis. Restabelecida a respiração normal, ia recomeçar a caminhada de volta ao meu quarto, quando ela formou uma espécie de triângulo com seu braço esquerdo e ofereceu a ajuda, com uma ternura, com uma meiguice jamais sentida em toda a minha vida. Não afeito à delicadeza tão espontânea, me neguei a aceitar e ela insistiu, formando de novo o triângulo com o braço esquerdo: "Aceite, por favor".
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Agradeci, respirei, como se ali estivesse um oásis. Restabelecida a respiração normal, ia recomeçar a caminhada de volta ao meu quarto, quando ela formou uma espécie de triângulo com seu braço esquerdo e ofereceu a ajuda, com uma ternura, com uma meiguice jamais sentida em toda a minha vida. Não afeito à delicadeza tão espontânea, me neguei a aceitar e ela insistiu, formando de novo o triângulo com o braço esquerdo: "Aceite, por favor".
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Na próxima quarta-feira, o décimo segundo capítulo de Memória Terminal, do jornalista José Marqueiz, Prêmio Esso Nacional de Jornalismo, falecido em 29/11/2008. O Prêmio Esso de Jornalismo é o mais tradicional, mais conceituado e o pioneiro dos prêmios destinados a estimular e difundir a prática da boa reportagem, instituído em meados da década de 50. (Edward de Souza/ Nivia Andres) Arte: Cris Fonseca.
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Na próxima quarta-feira, o décimo segundo capítulo de Memória Terminal, do jornalista José Marqueiz, Prêmio Esso Nacional de Jornalismo, falecido em 29/11/2008. O Prêmio Esso de Jornalismo é o mais tradicional, mais conceituado e o pioneiro dos prêmios destinados a estimular e difundir a prática da boa reportagem, instituído em meados da década de 50. (Edward de Souza/ Nivia Andres) Arte: Cris Fonseca.
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