sábado, 23 de maio de 2009

É MUITA SUJEIRA DEBAIXO DO TAPETE


Édison Motta
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PORTA ABERTA
PARA O CRIME
*
Final
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Com todo respeito que devemos ter à religião das pessoas, os ventos do século XXI indicam que é preciso, ainda, remover muita sujeira escondida debaixo do tapete daquilo que convencionamos denominar sociedade. Se no primeiro mundo fatos estarrecedores como os relatados no artigo de ontem (logo abaixo) aconteceram, o que dizer daquilo que se passa entre nós, tupiniquins, sob a linha do equador? Alguém já se atreveu buscar informações concretas sobre o que acontece nas escolas públicas da periferia? Moralistas e puritanos de fachada não faltam. Não apenas entre padres e freiras. Pululam em nosso meio os falsos profetas do apocalipse que vendem espaços no céu em troca de generosas contribuições daqui, da vida terrena. Poucos se importam de verdade com a opressão a que estão submetidas milhares de vidas, na flor da puberdade. Os pequenos explorados não têm a quem recorrer. Nem mesmo junto às religiões.
Abusos contra crianças e adolescentes revelam a face terrível de barbárie de uma sociedade que se diz civilizada. Na Irlanda, as vítimas de ontem são hoje adultos. Tratando-se de um País com severas leis contra o crime carecemos de maiores informações sobre os desdobramentos que o trauma de muitas infâncias provocou na sociedade contemporânea. Mas não é difícil imaginar o que acontece aqui entre nós. No País da impunidade, os abusos sobre crianças se transformam num celeiro fértil para produção de criminosos. A revolta plantada na infância e a falta de perspectivas de ascensão social para a maioria de filhos do sexo inconseqüente entre adolescentes criam, progressivamente, o grande monstro que atormenta o nosso dia a dia, poluem a beleza da vida e nos faz a todos inseguros. O perigo nos espreita nas esquinas. Sobreviver nunca foi tão difícil!
O verdadeiro enfrentamento ao quadro de miséria que anda de mãos dadas com o crime em nosso país passa, necessariamente, pela discussão sobre controle da natalidade. Um tema tabu, proibido. Qualquer parlamentar que ouse tocar no assunto enfrentará um turbilhão de reações por parte da Igreja Católica e da bancada evangélica no Congresso. O papa condena a pílula e qualquer tipo de controle da natalidade no que se faz acompanhar de muitos pastores.
Cerca de 8.200 crianças nascem por dia no Brasil. Num país insistentemente desigual, cada um desses meninos e meninas já vem ao mundo com mais ou menos chances de superar a pobreza de acordo com sua etnia, a renda de sua família, a escolaridade de seus pais e a região onde nasceu. O relatório Situação da Infância e Adolescência Brasileiras da Unicef traz dados sobre as diferenças de acesso a serviços de saúde e educação entre crianças pobres e ricas, que vivem em áreas rurais ou urbanas, que crescem no Sul ou no Norte do país e mostra como estes fatores determinam as oportunidades que aquele bebê, que acaba de nascer, terá na vida.
Desses 8.200 brasileiros que nascem por dia, cerca de 1.500 são da região Nordeste. Cada um deles terá um quarto da chance de completar o primeiro ano de vida dos nascidos no Sul ou no Sudeste. Quase metade deles serão negros e terão duas vezes mais chance de não freqüentar o ensino fundamental, em comparação com as crianças brancas.
A violência praticada contra menores é apenas a ponta de um imenso iceberg da explosão demográfica em nosso território, alimentada com o bolsa-familia, de um lado e com a frenética construção de presídios no outro. Jamais seremos uma nação desenvolvida enquanto não rompermos esse ciclo vicioso.
Não é incrível que a distribuição de renda, no Brasil, através dos programas sociais do governo, incentivados pelas religiões e pelos políticos que delas se beneficiam esteja fundamentalmente assentada no tamanho da prole dos ajudados? Quais famílias têm o maior número de filhos senão as mais pobres? Falta educação e sobra manipulação política das massas. No meio disso tudo estamos nós, pobres mortais, as maiores vítimas desta sociedade encurralada.
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*Édison Motta, jornalista e publicitário é formado pela primeira turma de comunicação da Universidade Metodista. Foi repórter e redator da Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil; editor-assistente do Estadão; repórter, chefe de reportagem, editor de geral (Sete Cidades) e editor-chefe do Diário do Grande ABC. Conquistou, com Ademir Médici o Prêmio Esso Regional de Jornalismo de 1976 com a série “Grande ABC, a metamorfose da industrialização”. Conquistou também o Prêmio Lions Nacional de Jornalismo e dois prêmios São Bernardo de Jornalismo, esses últimos com a parceria de Ademir Médici, Iara Heger e Alzira Rodrigues. Foi também assessor de comunicação social de dois ministérios: Ciência e Tecnologia e da Cultura. Atualmente dirige sua empresa Thomas Édison Comunicação.
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