quarta-feira, 13 de maio de 2009

LIÇÕES DE JORNALISMO E DIGNIDADE

Milton Saldanha

Aos poucos começa a ganhar repercussão em todo o Brasil um dos mais importantes livros sobre a História recente do nosso continente, lançado pela L&PM Editores, em novembro do ano passado, em Porto Alegre: “O Sequestro dos Uruguaios”, do jornalista gaúcho Luiz Cláudio Cunha, um dos melhores e mais corajosos repórteres da imprensa brasileira em todos os tempos. Cunha e o fotógrafo J.B. Scalco (falecido em 1983) foram testemunhas e principais repórteres num caso de repercussão internacional durante a ditadura militar: o seqüestro em solo brasileiro e remoção clandestina para Montevidéu dos uruguaios Lilian Celiberti, Universindo Díaz, e duas crianças. Eles foram salvos de morrer nas mãos dos torturadores da Operação Condor, a macabra rede de extermínio das ditaduras do Cone Sul, graças ao testemunho pessoal e às reportagens de Cunha e sua equipe na revista Veja. A série arrebatou em 1979 os primeiros lugares dos prêmios Vladimir Herzog, Esso e Telesp, além de uma premiação especial criada no IV Prêmio Abril.
Trabalhando em 1978 como chefe da sucursal da revista Veja em Porto Alegre, Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo J.B. Scalco foram checar uma denúncia anônima sobre o desaparecimento dos uruguaios. Ao chegar ao endereço indicado, um modesto apartamento do bairro Menino Deus, o repórter levou um grande susto ao ser surpreendido com uma pistola na cabeça. Era o seqüestro acontecendo, sob as ordens do delegado Pedro Seelig, do Dops gaúcho, um dos expoentes dos torturadores daqueles terríveis anos. Assim começa o livro. E toda uma paciente, meticulosa, cuidadosa, criativa e principalmente corajosa investigação sobre o caso, tendo ainda que desmontar uma sucessão de mentiras oficiais. Mais do que a história de uma grande reportagem, elaborada com todas as dificuldades e barreiras impostas pela ditadura, o livro de Cunha abre portas inimagináveis e inéditas para se conhecer os bastidores do terrorismo de estado que se instalou no Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e outros países. Com um belo texto, aula de excelente jornalismo também neste quesito, as quase 500 páginas do livro conquistam e envolvem o leitor de forma tal que é impossível ficar longe dele por algumas horas. A leitura se torna voraz. A história rende um tremendo filme, para um diretor e atores de primeira grandeza. A leitura na maior parte do tempo nos dá esta sensação, a de estar vendo um filme repleto de ação, tensão, imprevistos e coisas inusitadas, para não dizer mesmo inacreditáveis. Se contasse aqui qualquer episódio não teria a mesma graça do original, se é que algo ali possa ter graça.
“O Sequestro dos Uruguaios” deveria ser adotado nas universidades, principalmente nos cursos de jornalismo e de História. É uma lição completa de jornalismo de alta qualidade em todos os planos e dimensões. Sem heroísmo piegas, em nenhum momento a grande dignidade de Cunha permite essa hipótese. Como todo mundo, ele também teve que enfrentar o medo. Coragem não é ausência de medo e sim a capacidade responsável de enfrentá-lo. Teve inclusive que privar-se da companhia cotidiana da esposa e filha, cautelosamente abrigadas em Santa Catarina durante toda fase crítica das investigações. Além das novas revelações sobre a Operação Condor, o livro está repleto de episódios até então desconhecidos. Um deles em especial chamou minha atenção: certa vez um general de alto comando, um dos durões da ditadura, colocou a Brigada Paraquedista do Rio de Janeiro em prontidão e ameaçou prender pessoalmente o comandante do DOI-CODI e sua guarnição. Querem saber quem foi? Detalhes do episódio? Sinto muito, terão que ler o livro.

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Milton Saldanha, 63 anos, gaúcho da fronteira, é jornalista profissional, com mais de 40 anos de atividades. Começou em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em 1963. Exerceu cargos de chefia em alguns dos principais veículos do Brasil, como Rede Globo, jornais O Estado de S.Paulo e Jornal da Tarde, Diário do Grande ABC, revista Motor 3, Folha da Manhã (RS) e outros. Foi repórter em Última Hora, trabalhando com Samuel Wainer. Já assinou artigos e reportagens em mais de uma centena de publicações de todo o Brasil. Trabalhou também em assessoria de imprensa, para empresas e entidades públicas. As principais: Ford Brasil, Conselho Regional de Economia e IPT- Instituto de Pesquisas Tecnológicas. É autor do livro “As 3 Vidas de Jaime Arôxa”, pela Editora Senac Rio, e participou como cronista da antologia “Porto Alegre, Ontem e Hoje”, pela Editora Movimento, do Rio Grande do Sul. Assinou também orelhas de diversos livros sobre dança e música, de autores brasileiros. Um ano antes de se aposentar, quando era editor-chefe do Jornal do Economista, em São Paulo, fundou o jornal Dance, que em julho completa 15 anos. O jornal é mensal e grátis, com 10 mil exemplares impressos e integral na Internet. Tem novo livro pronto, ainda inédito. É “Periferia da História”, onde conta de memória - e num estilo totalmente diferente dos livros convencionais - os últimos 45 anos da história brasileira. Trabalha em novos projetos editoriais, como jornalista e escritor. Um deles é um livro sobre reforma agrária. Na área de dança, organiza uma coletânea com os melhores editoriais publicados no Dance. E já recebeu da Costa Cruzeiros a incumbência de escrever um livro sobre o Dançando a Bordo. Atualmente prepara um livro sobre Maria Antonietta, grande mestra da dança de salão carioca, que morreu recentemente. Apaixonado por viagens conhece quase todo o Brasil e já visitou cerca de 40 países. É um dos três criadores e integra o comitê organizador do cruzeiro Dançando a Bordo, da Costa Cruzeiros, que tem o jornal Dance como promotor e divulgador oficial. Por hobby e paixão, faz aulas e e é dançarino de tango.
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