segunda-feira, 23 de março de 2009

AS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DE JORNAIS

Edward de Souza

IMPERDÍVEl

A CAIXA COM FÓSFOROS

Parte VII

No final dos anos 70 deixei o Jornal Notícias Populares e voltei, a convite de Renato Campos, para o Diário do Grande ABC. Se me perguntarem quantas vezes trabalhei no Diário do Grande ABC, não saberia responder sem antes consultar minha surrada Carteira Profissional de capa preta, atualmente jogada num canto qualquer em uma das minhas pastas de documentos antigos. Muitas caras novas na redação - já no moderno prédio da Rua Catequese - mas também encontrei velhos conhecidos. Um deles, João Colovatti. Abraçando-me forte e com lágrimas nos olhos me desejou sucesso nesse retorno ao jornal. No final do primeiro dia de trabalho fomos comemorar na mercearia frequentada até hoje por velhos italianos, duas quadras acima da sede do jornal, apelidada pelo Colovatti de “Cebola´s Clube”. Até hoje não sei de onde o João - eu sempre o chamei assim - tirou esse nome. Feliz com meu retorno, Colovatti, entre umas e outras, colocou-me a par de tudo o que se passava, no jornal e na região. Logo nesse primeiro dia do meu retorno, Colovatti aprontou mais uma das suas. Num dos poucos momentos em que se calou, enquanto todos conversavam numa roda de amigos, cansado, sentou-se perto da porta de entrada do estabelecimento. Abaixou a cabeça. Nisso, um mendigo se aproximou e pensando que Colovatti estava com problemas, prometeu interceder pelo fotógrafo junto a Deus. Com um salto, chamando a atenção de todos, Colovatti gritou: “Não! Não! Não peça nada a Deus por mim! Se você tivesse importância para Ele não estaria nessas condições!”. O mendigo sumiu, coitado. Nós rachamos o bico. Até para escrever sobre isso hoje, fui obrigado a parar para rir. A tirada foi genial...
Semanas depois, já num dia de inverno, sai para fazer minha ronda policial para o jornal. Colovatti, como chefe do laboratório fotográfico, se escalou para me acompanhar. Gostava de sair em minha companhia. Entramos na viatura do jornal, naquela época já com moderna frota e seguimos para Diadema. Eu sempre começava por aquela cidade, violenta demais no final dos anos 70. De lá, passagem obrigatória pelos distritos policiais de São Bernardo, depois Santo André e, muitas vezes, com pouco material para escrever, buscávamos ocorrências policiais em Mauá e até Ribeirão Pires. Carregava no bolso de trás da calça um monte de laudas para anotações, mas nunca as usava. Eu tinha um hábito conhecido pela maioria dos meus amigos e amigas jornalistas do ABC Paulista. Gostava de ouvir caso por caso e anotava apenas nomes dos personagens envolvidos numa caixa com fósforos, também usada para acender cigarros, vez ou outra. Fazia frio nesse dia. Na volta de Diadema, João sugeriu pararmos numa lanchonete, especializada em caldo de mocotó. Encostamos na “Lanchonete do Mineiro”, situada na Avenida Caminho do Mar, perto da Villares, onde Lula trabalhou como metalúrgico e perdeu um dedo. Os termômetros marcavam menos de 14 graus. O caldo de mocotó realmente era uma boa pedida para um dia assim. Para o João, na verdade, era uma “boa idéia”.
Chegamos ao jornal depois das 17 horas. João seguiu para o laboratório para revelar as fotos e eu, apressado, tomei o elevador do jornal e desci correndo na redação para escrever as notícias policiais do dia. Eram muitas, como sempre. Sem exagero, amigos como Renato Campos, Édison Motta e outros podem confirmar, muitas vezes eu escrevia sozinho uma página policial por dia. Enfiei as laudas com carbono na velha Olivetti. As cópias seguiriam para o jornal falado da Rádio Diário, apresentado no final da noite e de grande audiência no ABC Paulista e em São Paulo. Anos mais tarde eu apresentei esse jornal, ao lado do saudoso Rolando Marques. Voltando à redação. Enfiei as mãos nos bolsos à procura da caixa com fósforos e... Nada! Tinha desaparecido. Comecei a suar frio, afinal, como identificar os personagens de cada caso sem os nomes? Renato Campos percebeu minha aflição, mas nada contei a ele. Como explicar que todas as minhas anotações foram feitas numa caixa com fósforos? Desesperado, corri em busca de auxílio no laboratório fotográfico. Contei o caso para o João, que me olhava de lado, com jeito de quem estava se segurando para não rir. A solução seria mandar um carro do jornal até a “Lanchonete do Mineiro”, quem sabe o dono do estabelecimento teria encontrado e guardado essa preciosa caixa com fósforos, foi a sugestão do João Colovatti. Não daria tempo. Era horário de “rush” e as ruas estavam congestionadas. Sem saber o que fazer, gritei bem alto: “pago uma caixa de cervejas por essa caixa com fósforos”. João Colovatti deu um pulo da cadeira onde se encontrava e respondeu de imediato: “você vai cumprir sua promessa?”. “Claro que sim”, respondi. João deu meia volta, buscou sua mala onde carregava o material fotográfico e sacou a caixa com fósforos, me entregando. Não estava acreditando. Todos os nomes anotados estavam ali. Colovatti estava rindo como criança. Mais uma de suas brincadeiras. Corri feliz para a redação e entreguei o material para fechamento no prazo estabelecido, pouco antes das 20 horas. Quando deixei o jornal, João me esperava. Fui obrigado a cumprir minha promessa.