domingo, 26 de abril de 2009

AS ENGRAÇADAS HISTÓRIAS DO RÁDIO

Oswaldo Lavrado

Vôo atribulado
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Dentro de cada Radialista existe um inexplicável sentimento de dedicação e o interesse pelo que faz. Hoje, o rádio perdeu o espaço na sala para a televisão, mas não perdeu o seu lugar no coração de todos nós. O Radialista é um sonhador, um apaixonado que faz parte do cotidiano das pessoas. O rádio tem mesmo muitas histórias. Tantas e tão fantásticas que nunca se sabe ao certo se são ou não verdadeiras. Neste domingo escolhi uma delas para lhes contar. Eu havia assumido a chefia do Departamento de Esportes da Rádio Diário do Grande ABC em janeiro de 1984, no lugar de Rolando Marques que, no entanto, continuou como narrador da equipe. Nesse ano, a equipe do Santo André disputou a Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro, fato inédito na história do ABC, que nunca teve um time incluído na divisão de elite do futebol nacional. A Rádio Diário 1.300, do grupo Diário do Grande ABC, realizava transmissões dos jogos de todos os times da região e, claro, mesmo com dificuldades iria acompanhar o Santo André no Brasileirão. E assim foi. A estréia do Ramalhão, apelido do Santo André, foi em 29 de janeiro na cidade de Alagoinhas, na Bahia, cerca de 120 quilômetros de Salvador. O jogo foi contra a Catuense, da cidade de Catu, próxima de Alagoinhas. Esta foi a primeira transmissão interestadual da Rádio Diário. Para lá embarcaram três integrantes da equipe “Os Craques do Rádio”: Rolando Marques (narrador), Oswaldo Lavrado (comentarista) e Jurandir Martins (repórter). A verba não permitia levar um operador de som (aquele que instala o equipamento eletrônico para as transmissões externas). Eu e o Rolando, que entendíamos um pouco da arte, executávamos o serviço. Estava batizada a equipe e a rádio em transmissões fora do Estado de São Paulo. O Santo André venceu por 1 a 0, gol de pênalti marcado pelo meia Rotta, à época a estrela do time. Depois vieram jogos em Recife, Porto Alegre, Natal, Curitiba, Campo Grande, Rio de Janeiro e Goiânia. Foi a caminho da capital do Rio Grande do Norte que aconteceu a história que estamos relatando aqui, no agitado blog do Edward de Souza, companheiro que participou de outras viagens e histórias engraçadas que serão contadas em outros capítulos. Nossas viagens aéreas eram sempre de madrugada por ser 20% mais em conta do que de dia e, como a verba da rádio era curta, não havia outra alternativa à equipe senão voar nesse horário. Embarcamos em Cumbica, eu e o Rolando, já que o repórter, também pela escassez de grana, foi dispensado. O avião deixou Guarulhos a meia noite de uma sexta-feira. Fez escala no Rio de Janeiro, em Salvador e em Recife. Até ai já eram quase três horas da madrugada do sábado. Na capital pernambucana houve baldeação de passageiros com outros destinos, tipo Fortaleza, Belém, Manaus etc. Uma tempestade atingia Recife na madrugada e para evitar transtornos, os passageiros do nosso vôo, um Airbus da Varig, teriam que deixar a aeronave direto para outro avião, sem passar pelo saguão do aeroporto dos Guararapes. Uma aeromoça, na porta do Airbus, entregava uma senha colorida, de plástico, que identificava o avião e o destino do passageiro. Eu recebi uma senha amarela e, devidamente escoltado por um funcionário do aeroporto com um enorme guarda-chuva, embarquei num avião bem menor que aquele que deixamos São Paulo. O Rolando, por sua vez, recebeu uma ficha verde e, também acompanhado do prestativo funcionário e sob outro guarda-chuva, seguiu em direção a uma aeronave.
Tive a nítida impressão que ele (Rolando) não havia entrado no mesmo avião que eu. No entanto, como chovia demais e havia muita gente na troca de aeronaves, pensei que poderia ter me enganado e Rolando, àquelas alturas, já estaria tranquilo, bem acomodado, numa poltrona no fundo do avião. O aparelho, que mais parecia uma chaleira fervendo, lotado, alçou vôo do Guararapes com destino a Natal, capital do Rio Grande do Norte. Então, levantei-me da poltrona e fui procurar o Rolando. Olhei, assuntei e nada do homem. Não achei, no avião, o nosso narrador. Pousamos no aeroporto de Natal e fiquei na recepção, onde passariam todos os passageiros, esperando pelo Rolando. O local ficou vazio e cadê o homem? Descolei um taxi e rumei para o hotel Reis Magos, na Praia do Meio, previamente reservado. E nada do Rolando aparecer. Fiquei preocupado, mais que isso, desesperado a ponto de pensar em acionar a polícia. Não sabia exatamente o que fazer. Por volta das 8h, já no sábado, um funcionário do hotel chega pra mim e pergunta: ”por favor, o senhor é Oswaldo Lavrado? Tem um telefonema a sua espera". Atendi sem atinar direito quem seria, preocupado que estava com o sumiço do Rolando. Mas, era ele.
- Onde diabos você se meteu? Disse eu, faiscando.
- Estou em Fortaleza, respondeu.
- E o que faz aí, se o jogo do Santo André é aqui em Natal? Como foi parar aí? Retruquei.
- Sei lá, disse ele - me deram uma senha verde em Recife e, pela cor, fui colocado num vôo para Fortaleza. Só percebi quando o avião taxiava pra levantar vôo e o comandante anunciou o destino, então já era tarde. Sugeri, ou determinei, já que era o chefe da equipe, que ele embarcasse rápido para a capital potiguar, onde seria realizada a transmissão do jogo. Felizmente deu tempo, uma vez que ainda era sábado e a partida só aconteceria no domingo. Ufa...
Em tempo: O Santo André venceu o América por 4 a 2. Rolando Marques morreu em 9 de julho de 1994. É importante ressaltar que a equipe de esportes da Rádio Diário sempre viajou por conta própria, dispensando convites de clubes, tornando-se mais respeitada pela sua independência.
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*Oswaldo Lavrado - jornalista e radialista - trabalhou no Diário do Grande ABC, rádio e jornal, e comandou a equipe de esportes da Rádio Diário. Atualmente é editor do semanário Folha do ABC.
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