terça-feira, 23 de novembro de 2010

SEGUNDA-FEIRA, 22 DE NOVEMBRO DE 2010

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As escolas nunca estiveram tão vulneráveis à violência. O palco da sabedoria se transformou num espaço da indisciplina. Estudar também não é preciso, porque a repetência escolar está proibida pelas autoridades de ensino. Não dão o menor respeito ao professor, ao diretor e aos funcionários dos estabelecimentos educacionais. A agressão contra eles está se tornando prática comum e não há nada que se possa fazer para puni-los. São menores de idade e estão preparados para fazer dos professores suas vítimas. Quem estuda nos colégios particulares é protegido por um esquema que inclui câmeras, crachás eletrônicos e vigias disfarçados. Nas escolas públicas, é a polícia que garante a segurança dos alunos, mas apenas do lado de fora. Só que as ameaças, há muito tempo, já ultrapassaram os muros.
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Dia desses recebi um e-mail mostrando como nós, os nascidos antes da década de cinquenta éramos felizes. Não tivemos psicólogos, aparelhos nos dentes, vacina contra tudo, nem aulas de judô, inglês ou de prevenção às drogas. Agora chega às manchetes outro mal que nunca assolou os de minha geração e que atende pelo sofisticado nome de “bullying” e já mereceu manchetes policiais até na nossa pacata província de bons costumes e pouca violência. “Bullying” vem do inglês significando ”valentão”, ”arruaceiro”, aquele garoto forte que todos nós conhecemos nas escolas que dava porrada em todo mundo, tomava o lanche e ameaçava os mais fracos com fantasias sexuais terríveis. Toda escola tinha um e todos nós, os magros (na época) e pacíficos, tremíamos diante dele como diante do diabo, mas isso nascia e morria no âmbito escolar e um dia o valentão sumia sem deixar traumas.

Como nos Estados Unidos tudo é diferente, “bullying” virou tema de estudo, matéria de psicólogos e sociólogos que tentam explicar como esses “bad-boys” podem levar os mais fracos a atos extremos de violência como matar colegas e professores naquelas chacinas escolares bem ao gosto dos americanos e que a gente assistia pensando que nunca chegaria aqui. Como sempre o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, o “bullying” chegou às nossas escolas, provocando revolta dos humilhados que recorrem à rede da internet para fazerem suas ameaças veladas de revolta e vingança. Recentemente um garoto de treze anos foi atacado, encharcado de gasolina e virou uma pira humana. As crianças ou adolescentes que sofrem bullying podem se tornar adultos com sentimentos negativos e baixa autoestima. Tendem a adquirir sérios problemas de relacionamento, podendo, inclusive, contrair comportamento agressivo. Em casos extremos, a vítima poderá tentar ou cometer suicídio.

Quando a brincadeira chega a esse ponto de assustar pais e alunos, deixa de ser brincadeira e passa a ser delito, tentativa de assassinato, coação ou qualquer outro nome do vasto repertório jurídico nacional. E, como tal, deve ser combatido com forças para que não finque raízes em nossas escolas nem termine por levar a vítimas fatais. Triste País este, que fez de nossa Educação um arremedo de fonte do saber. Impor limites e fortalecer laços de amor e solidariedade são imprescindíveis na difícil missão de criar filhos e com eles os valores necessários e tão escassos neste milênio. É inadiável a reconstrução da família, sob pena de derrocada total.

O FIM DE UMA GERAÇÃO

A continuar assim, dentro de alguns anos faltará uma geração no Brasil, uma geração que se perdeu na droga, no crime e na repressão policial. Diariamente os jornais e televisões nos mostram centenas de adolescentes mortos pela periferia das cidades brasileiras, meninos que oscilam entre 13 e 16 anos e que encontram a morte em briga de quadrilhas, ajustes de contas ou em enfrentamento com as forças policiais. Essa geração que poderia e deveria ser o futuro brasileiro é um imenso cemitério de cruzes brancas marcando o nosso desprezo por toda uma juventude. Esses meninos morrem porque temos uma perversa distribuição de renda, bolsões de pobreza, mas e principalmente porque não lhe acenamos com outras oportunidades que não o crime e a droga. Eles não encontram nos bairros onde moram educação e motivação para frequentar escolas e assim são atraídos pelo crime, mais lucrativo, mais urgente e mais glamoroso.

O que os governos estão fazendo com as novas gerações é um verdadeiro crime porque não as prepara para o futuro. Basta fazer qualquer pergunta a um desses estudantes e certamente não saberão responder, por mais simples que ela seja. Afinal de contas, o que estava errado no sistema educacional do passado para ter havido uma mudança radical e tão irresponsável? Que modernismo é esse que está criando uma geração de criaturas à margem do saber e do caráter bem formado?

Desde que Darcy Ribeiro (foto) com Leonel Brizola pensaram os Cieps - um projeto pedagógico visionário e revolucionário no Brasil de assistência em tempo integral a crianças, incluindo atividades recreativas e culturais para além do ensino formal - ninguém mais quis alimentar nem reforçar essa idéia e os meninos são atraídos facilmente para a vida aparentemente fácil do tráfico nas horas vazias em que enchem as ruas e onde iniciam sua prática criminosa. Não que a escola integral fosse a cura milagrosa para todos os males, mas ela daria ao mesmo tempo, educação, alimentação, cuidados médicos e principalmente encaminharia o jovem para uma profissão oferecendo-lhe ao menos uma alternativa ao dinheiro abundante do crime. No entanto, nosso governo prefere investir em cadeias e centros prisionais do que em educação. Em Franca, existe a ameaça do fechamento de seis escolas tradicionais, o que é um absurdo. E ficamos a assistir, impassíveis, essa geração ter seus sonhos e sua vida roubados nas noites escuras do crime como se não fosse problema nosso nem tivéssemos que responder no futuro por toda essa geração que deixamos perecer apenas por não lhe oferecer alternativas à morte.
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*Edward de Souza é radialista e jornalista
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