domingo, 22 de agosto de 2010


SEQUESTRO RELÂMPAGO


Rotineiro e banalizado hoje em dia, o sequestro relâmpago é uma das modalidades de crime rentáveis aos marginais e traumáticas às vítimas. Esse tipo de delito acontece em número assustador todos os dias, principalmente nas grandes cidades. Tive o "prazer" de sofrer dois, em épocas diferentes e que serviram para lembrar que "o raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas despenca duas vezes na mesma cabeça", com estragos consideráveis. O primeiro, em 1993, ocorreu em um sábado à noite, no portal de uma casa noturna, localizada na Estrada Velha do Mar, a beira da Represa Billings, no Riacho Grande, São Bernardo. Quatro rapazes, em idades calculadas entre 16 e 25 anos, todos armados, me abordaram e, com um deles ao volante do meu carro, me obrigaram, sem nenhuma gentileza (ao contrário) a passar para o banco traseiro e em alta velocidade deixaram a Estrada Velha e entraram na Rodovia Índio Tibiriçá, sentido São Bernardo/Mogi das Cruzes; uma via de pista única e com tráfego intenso dos dois lados.
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O cara que dirigia, parecia ser menor, conduzia minha Brasília reluzente, incrementada e de dois carburadores como se estivesse nas pistas de Interlagos. Eu estava no meio dos outros dois no banco traseiro. Na frente, o "motorista" e mais outro ao lado. No agitado caminho, cruzando com carros, caminhões e ônibus, o rapaz que parecia comandar o trio, apenas me alertava: "calma tio, não vai acontecer nada ao senhor. Vamos dar uns lances (roubos) lá na frente. Se aparecer alguma barca (viatura policial) aí a coisa complica, já que não vamos nos entregar numa boa e pode sobrar para o tio". Aguenta coração.
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Sempre em alta velocidade rumaram para um local que, em virtude da escuridão e minha "paura", não reconheci, mas sabia onde estávamos e não era reconfortante. Lembrei, então, que o combustível de minha inseparável Brasília estava acabando, e iria abastecer assim que deixasse a casa noturna onde fui prestigiar a estreia de um amigo aqui de São Bernardo. Torci para acabar a gasolina, então os caras teriam que parar e me liberar, já que na Índio Tibiriçá existem apenas dois postos; um ficou para trás e o outro estava um pouco distante. Vale lembrar que a rodovia é conhecida aqui no ABC como Estrada da Morte (essa via, liga São Bernardo a Mogi das Cruzes, passando por Santo André, Mauá, Ribeirão Pires, Poá, Suzano e Mogi). Mas, o combustível não acabou. Deixamos a rodovia e entramos em uma estradinha de terra estreita.
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Eram aproximadamente 23h. Apenas com a luz dos faróis da Brasília iluminando, paramos no que deduzi ser o fim do caminho, já que seria impossível prosseguir. Antes, o cara que parecia ser o chefe havia me prometido: "tio vamos fazer um trato, a gente deixa o senhor ir embora com o carro, o tio não chama os "home" (polícia), assim tudo acaba bem pra todos". Já fora do carro, um dos moleques sentenciou: ”que nada mano a gente já apagou uns caras metidos a besta e não vamos deixar esse ‘véio” nos caguetar aos tiras”. Gelei, nem poderia ser diferente, mas o chefinho" ordenou: "senhor, pode entrar no carro e cair fora".
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Depressinha pulei para o banco do motorista, mas na hora de dar a partida, cadê as chaves? O pilantra que vinha dirigindo sumiu na escuridão carregando o chaveiro. "ei, como vou embora, se o rapaz levou a chave", arrisquei. O líderzinho então berrou: "mano" (em nenhum instante se trataram pelo nome), volta aqui com as chaves senão vai sobrar pra você, fiz um acordo com o tiozinho e vamos cumprir, não é tio?
O "mano" me entregou as chaves e o chefinho ainda me desejou boa sorte (ironia). Não podendo manobrar (o espaço não permitia) fui saindo de ré, sem enxergar nada (uns 300 metros), e encontrei a rodovia. Entrei para o lado que me deu na cabeça e depois de rodar cerca de 200 metros percebi que estava no rumo de Ribeirão Pires. Era o que eu queria.
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Então, minha querida e estimada Brasília se encarregou de mostrar que um amontoado de latas, embora conservada, não tem coração nem estima por ninguém. A gasolina acabou cerca de 50 metros de um posto de combustível com pouca iluminação, dando a entender que estava fechado. A pé, fui até lá. Deveria ser 23h30 (os "manos" levaram meu relógio de estimação e a grana que eu carregava). Entrei no posto onde um frentista veio me atender. Expliquei a situação e o rapaz mandou que fosse falar com o gerente, um gaúcho de quase dois metros, que me atendeu com cara de poucos amigos. Relatei o que ocorreu e pedi que liberasse alguns litros de gasolina pra chegar ao Centro de São Bernardo, onde eu residia. Falei que os "manos" levaram minha grana, mas deixaram meus documentos. Mostrei ao Paulão (esse era o nome do gerente, soube depois), minha identidade e minha credencial de jornalista/radialista. Quando viu os documentos, Paulão berrou: "o senhor é o Lavrado que trabalha na Rádio Diário com o Rolando Marques, Edward de Souza e o Jurandir Martins no esporte? - "sim, sim, eu mesmo", respondi. O gauchão deu ordem para o frentista encher o tanque. Queria acionar a polícia para pegar os "manos", mas não permiti. Ele então disse que era sócio do Santo André, do qual não perdia um jogo, ouvindo a Rádio Diário do Grande ABC.
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Agradeci, liguei a traidora Brasília, e rumei para São Bernardo. Em casa, tomando meu banho, tremia e suava frio. Foi então que caiu minha ficha e me dei conta do perigo que havia passado, onde muitos, por menos, sucumbiram. Agradeci a Deus. Na manhã seguinte, domingo, com a equipe de esportes, viajei para Bragança Paulista, onde fomos transmitir um jogo do Santo André com o Bragantino. Durante a transmissão enviei, discretamente e sem detalhes, um abraço ao Paulão e na terça-feira fui ao seu posto pagar a gasolina e agradecer seu auxilio, este impagável. Na viagem contei a história ao Rolando, ao Ney Lima e ao motorista que conduzia a equipe. Nenhum deles disse nada, mas fiquei com a impressão que o silêncio dos três indicava que não estavam acreditando na minha odisseia. Deixei pra lá. Mais à frente, caso nosso amigo-irmão Edward de Souza autorize, conto como foi o segundo sequestro relâmpago, que durou pouco mais de dez minutos, porém não menos angustiante que o primeiro.
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Oswaldo Lavrado é jornalista/radialista radicado no ABC.
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