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PÁSSARO PRETO MORRE DURANTE TIROTEIO
Recebi vários pedidos de leitores desse blog, a maioria estudantes de jornalismo ou formados na profissão recentemente, para que contasse aqui, nesse espaço, as velhas e gostosas histórias de redações. Tudo começou quando publiquei o caso do “Bebê-Diabo”, cuja primeira matéria escrita por mim no Jornal Notícias Populares, nos anos 70, provocou, na época, a maior venda em bancas de toda a história do jornalismo brasileiro. Quase 800 visitas foram registradas aqui no blog nessa postagem do “Bebê-Diabo” e conheci o amigo José Donizetti Morbidelli, jornalista de São Paulo que, interessado no assunto, pediu minha autorização para escrever sobre o caso na Revista Eclésia deste mês de março. Autorização concedida, a publicação, com fotos do antigo Jornal Notícias Populares sobre o “Bebê-Diabo” e com minha foto, já se encontra nas bancas e pode também ser acessada pela internet nesse link: www.eclesia.com.br
Depois dessa apresentação, vamos ao primeiro relato, ocorrido no começo dos anos 70, quando eu trabalhava como repórter policial do Jornal Diário do Grande ABC. Nessa época, não se via violência tamanha como agora, para desespero dos repórteres de plantão. Alguns, criativos, sempre encontravam um jeito de escrever suas "cascatas". Certo dia fui destacado para cobrir um tiroteio que ocorria em Utinga, Bairro de Santo André, na Região do ABC Paulista. Marginais tentaram assaltar uma empresa de ônibus e não se deram bem com a chegada imediata da polícia. Era essa a informação que eu tinha. Entusiasmado diante da oportunidade de escrever uma grande matéria que poderia ganhar um bom destaque na primeira página do jornal, coisa rara, porque a linha editorial da época não permitia notícias policiais, muito menos sensacionalistas, corri até o laboratório fotográfico do jornal. Alguns degraus abaixo e lá estava eu, esbaforido, gritando que queria um fotógrafo imediatamente. Não saia ninguém, para meu desespero. Mais uns gritos e apareceu o chefe do laboratório, João Colovatti, fotógrafo premiado e que não gostava de novos repórteres, chamados por ele de “foquinhas”. Gordo, rosto vermelho, limpando o suor da careca e tranqüilo me perguntou qual a razão de tanta afobação. Tentei lhe explicar rápido o que se passava, esperando que ele providenciasse um fotógrafo para mim bem depressa. O velho motorista Barbosa, aguardava com o carro na porta da redação. O João Colovatti, com aquela tranqüilidade que era sua característica, depois que tomava umas e outras antes do almoço, entrou contrariado para dentro do laboratório e me pediu para esperar, porque não havia fotógrafos e ele iria ajeitar sua máquina para me acompanhar. Demorou um pouco saiu com sua Cannon. Ajeitou-se no banco da frente e me indicou o banco traseiro, mostrando que quem mandava era ele, afinal, era o chefe do laboratório do Diário do Grande ABC que estava saindo para uma reportagem. E eu, um foca, na imaginação dele. Muito bem. Com toda essa demora, está claro que chegamos ao local do tiroteio tarde demais. O João me olhava com cara de riso. Eu pude ler em seus pensamentos: "esse foquinha entrou na conversa que havia tiroteio e não teve nada disso por aqui". Mas teve. Interroguei algumas pessoas, entrei na empresa de ônibus e fui recebido pelo proprietário que relatou o ocorrido. Contrariado e com jeito de quem não estava com vontade de cooperar, Colovatti tirou algumas fotos do empresário, da entrada da empresa, enfim, nada que pudesse justificar uma boa reportagem. Foi quando, olhando atentamente para um terreno baldio que ficava ao lado da empresa de ônibus, vi que havia um passarinho caído. Um pássaro preto, possivelmente, como é chamado no interior. Estava morto. Possivelmente teve um ataque cardíaco durante o tiroteio, pensei eu. Ou morreu de uma doença qualquer. Mas isso não me interessava. A causa mortis não seria mesmo constatada por ninguém. Era apenas um passarinho morto num terreno abandonado e tomado por mamonas e muita poeira. Chamei o João Colovatti e pedi que ele fotografasse o pássaro. Fazia muito calor e a careca do João passou a reluzir mais ainda com esse meu pedido. O suor brotava do seu rosto, a testa franziu e pensei que o João fosse ter um infarto. Estava indignado com meu pedido. Mas insisti. Para se ver livre e correr para o carro onde o Barbosa, sentado ao volante tirava uma soneca, fez as fotos. Pronto, fomos embora sem nenhuma conversa durante o trajeto.
Cheguei à redação e o editor - Renato Campos - me esperava na porta. Disse para ele que a página estava garantida, tinha conseguido uma boa reportagem e certamente poderia dar uma bela chamada na primeira página. O Colovatti ouviu, fez sinal mostrando que eu estava louco e entrou no laboratório. Comecei a redigir a matéria do assalto à empresa de ônibus, descrevendo o tiroteio usando dados que me foram passados por testemunhas e pelo empresário, além do que consegui tirar por telefone do delegado que se encontrava de plantão. Várias laudas depois, chegaram às fotos à minha mesa, mas nenhuma do pássaro. Fui ao laboratório e pedi ao João as do passarinho morto. Ele estava quase de saída para um boteco mais próximo e ficou fulo da vida. Questionou o que iria eu fazer com uma foto daquelas, tentou me fazer desistir, mas desta feita fui decidido. Ou ele me entregava as fotos ou eu o denunciaria à direção do jornal. Em 10 minutos lá estavam às fotos na minha mesa. No dia seguinte, uma grande chamada na primeira página do Diário e outra inteira de polícia com os seguintes dizeres: “Marginais matam pássaro durante assalto a empresa de ônibus". Tanto na primeira página como na última, que era a reservada para assuntos policiais, a foto enorme da pobre ave no solo. Depois desse dia, o saudoso João Colovatti, que nos deixou faz alguns anos, passou a me convidar para as rodadas de cachaças e a ser meu companheiro nas incursões policiais pela região.
*EM BREVE NESSE BLOG MAIS HISTÓRIAS DAS REDAÇÕES DOS VELHOS JORNAIS. AOS SÁBADOS ESCREVO NO DIVÃ DO MASINI: http://www.nossanoite.com.br/divadomasini/
Edward,
ResponderExcluirEu adoro estas histórias de bastidores.
E aí, está de pé a idéia de trabalharmos em 4 mãos e essas histórias virarem um livro?
Abraçosssssss
Também eu gosto muito de ouvir esses relatos, apesar de não ser jornalista, nem estudante. Essas histórias vão fazer um sucesso danado, com certeza.
ResponderExcluirParabéns!
Eduardo Garcia - São Paulo
Olá meu amigo Marcos Masini!
ResponderExcluirCom certeza em breve lançaremos um livro na praça com as histórias de redações.
Em seu blog nesse sábado, no Divã do Masini, cujo acesso está postado no rodapé do texto de hoje, uma outra boa e engraçada história de redação.
Abraços...
Edward de Souza
O velho João Colovatti! Quanta saudade. Claro que me lembro desse caso do pássaro preto. Vira e mexe conto para amigos nas rodadas dos fins de tarde. E essa sequência sua vai dar o que falar nsse blog, não, Edward? Se você escrever a metade das suas passagens pelos jornais, vai nos matar de rir. Não se esqueça daquela, do incêncio na Volks, tá? Engraçada demais.
ResponderExcluirBom seu blog. Vai escrevendo suas reminiscências que estou todos os dias por aqui para ler e relembrar.
Luiz Antonio (Bola) - Santo André
Muito engraçado. Mas fiquei com pena do passarinho. Tadinho do pássaro preto. Você não descobriu como foi que ele morreu?
ResponderExcluirBeatriz - Santos
Ôi, Edward
ResponderExcluirVocês tinham muita criatividade, não? Essa do passarinho foi demais. Estou no terceiro ano de jornalismo na Metodista, aqui em São Bernardo e vou avisar minha turma dessas histórias de redações que você vai postar aqui, tá? Você não explicou quando sai as outras, mas deixe essa até amanhã, assim minha turma vai poder ler e até imprimir, pode?
Bjos...
Lidiane - São Bernardo
Olá Edward.
ResponderExcluirGostei da história do assalto a empresa de ônibus com a morte do pássaro preto. Saudade daqueles tempos. Eu trabalhava no Diário do Grande ABC, mas fazia a chamada Editoria de Geral e também saia muito com o impagável João Colovatti, exatamente do jeito que você o descreve. Parabéns. Também quero mais histórias. Hildebrando Pafundi. Escritor e jornalista.
Olá Edward.
ResponderExcluirGostei da história do assalto a empresa de ônibus com a morte do pássaro preto. Saudade daqueles tempos. Eu trabalhava no Diário do Grande ABC, mas fazia a chamada Editoria de Geral e também saia muito com o impagável João Colovatti, exatamente do jeito que você o descreve. Parabéns. Também quero mais histórias. Hildebrando Pafundi. Escritor e jornalista.
Bons tempos e muitas cascatas pra contar, querido amigo Edward. Vivemos um tempo maravilhoso e ser repórter de polícia não era brincadeira. O João Colovatti era impagável. Estou rindo até agora desse caso que você descreveu, imaginando a cara do Colovatti. Peça rara. Que Deus o tenha. Prossiga, seu relato nos faz viajar no tempo.
ResponderExcluirAbraços, meu amigo!
Amilcar - São Paulo
Olá meu amigo.
ResponderExcluirMuito hilário o que você escreveu.
Tenho certeza que esse livro vai ser um sucesso, quero conhecer mais histórias.
Abraçossssssssssssss.
Ana Célia de Freitas.Franca/SP
Ôi... Edward
ResponderExcluirAdorei ler sua história com o Colovatti, um poeta, claro que do jeito dele rs,rs,rs... Continuo na esperança de ler mais histórias. Já fico imaginando todos sentados numa mesa de bar e contando as histórias. Só você e o Renato Campos já fazem uma coleção.
Obrigada. Beijos e parabéns!
Valeu!!!
Elizabeth Pudles (Betinha)
Já estou aflita à espera de novo artigo, Edward! Faço parte do seu fã clube faz algum tempo. Leio todas as suas colunas no Comércio da Franca e agora, depois de descobrir seu blog, visito-o todos os dias, principalmente pela manhã e de noitinha. Essa histórias que você conta são divertidas à bessa! Gosto de quero mais.
ResponderExcluirCarla G. Garcia - Franca - SP.
Prezado amigo jornalista
ResponderExcluirTenho sempre acompanhado seus textos. Parabéns!!
E obrigado por citar meu nome neste artigo. Na minha matéria sobre Lendas Urbanas / Revista Eclésia, você foi a principal fonte.
Um abraço do amigo
José Donizetti Morbidelli
Jornalista
Boa História sou sobrinho e afilhado do João Colovatti.
ResponderExcluirAbraço
Ailton Colovatti