quarta-feira, 10 de março de 2010


A ORGANIZAÇÃO

O candidato a emprego se apresenta ao poderoso diretor de recursos humanos da Organização. Antes de iniciar o diálogo, retira uma pasta de cartolina vermelha da mochila e entrega ao entrevistador.

- Confira, aí estão minhas credenciais e o histórico de serviços prestados à causa, bem como as necessárias recomendações. Preencho todos os requisitos para o cargo pretendido.

O dirigente permanece longo e enervante tempo em silêncio, concentrado na tarefa de folhear os documentos, averiguar a autenticidade das assinaturas, conferir carimbos. O rosto não revela sentimentos, assemelha-se a uma esfinge onde são arquivados mistérios e segredos. Os olhos são duros, cruéis. Finalmente, encara o visitante.

- Tenho algumas perguntas a fazer.

- Ótimo, responderei com sinceridade.

- Vejo que o companheiro possui um belo currículo.

- Modéstia à parte, eu sou bom no que faço. Na verdade, acumulo muitos anos de experiência, frequentei excelentes campos de treinamento no exterior, pertencia a brigadas militantes. Portanto, posso prestar relevantes serviços. Garanto, não há nenhum risco de fracasso.

- Sei, sei. Muitas foram as missões que cumpriu com sucesso. É o que consta de sua vida pregressa. Vejo que se sobressaiu na arte de assaltar bancos, carros fortes e mansões de milionários.

- De acordo com os ideais de nossa luta pelo poder. Expropriei recursos, grandes somas, mas com ética e transparência, sempre movido pelo desejo de colaborar. O dinheiro foi transportado em segurança e depositado nos cofres.

- Claro, foi um trabalho importante, as somas arrecadas se destinavam a corromper, facilitar negociatas e mesmo comprar pessoas que vendem suas almas diabólicas ao demônio, gente sem escrúpulo que se deixa enredar em troca de uma penca de bananas. Tudo é válido para que os objetivos propostos sejam alcançados. Bem, e agora?

- Como?

- Qual método pretende utilizar para o transporte do numerário que pretendemos arrecadar?

- Uso doleiros, troco moedas correntes por notas de cem dólares. Depois, amarro na cueca usada, com cheiro de titica de galinha. Transito livremente, ninguém desconfia de um homem que se apresenta como um simples agricultor, um vendedor de verduras e legumes. Nem mesmo urubus se interessam pela carniça. Também transaciono bodes. Um ótimo disfarce. Se houver aperto, digo que sou caipira, que tenho coração generoso, posso presentear com um engradado de galinhas poedeiras, algumas jacas, enfim, produtos de uma pequena fazenda.

- Excelente. Só mais uma pergunta:

- Qual?

- Sabe extorquir?

- Simples como iludir uma criança. Tiro fotos comprometedoras, providencio escutas telefônicas clandestinas e filmagens, inclusive disponho de mulheres lindas para seduzir. Depois, bem, depois o mano fica nas nossas mãos, tem de se ajoelhar diante de nós. Adoro fazer os outros de bobo.

O diretor de recursos humanos abre um leve sorriso, meneia a cabeça.

- Está contratado. Terá a incumbência de operar os recursos oriundos de comissões, de desvios. Caberá a você sacar dos caixas bancários ou levá-los em malas. Os pagamentos devem ser feitos mensalmente.

- Juro lealdade absoluta. A propósito, e o chefão da Organização? Quando vou conhecê-lo?

- O chefão não manda absolutamente nada. É uma figura decorativa. Serve de disfarce, apenas cumpre o papel de um coadjuvante que nos interessa, conferindo à Organização uma aura de pureza. É assim que agimos em benefício de nossos membros.

- Beleza, vamos nessa.

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* Guido Fidelis
é jornalista e escritor.
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25 comentários:

  1. Olá Guido Fidelis


    Sua crônica de hoje (excelente) nos mostra a inversão de valores. Acredito que o povo brasileiro consiga acordar com todos os desmandos praticados pelos chamados românticos guerrilheiros do final da década de 60 e anos 70 (bando da cueca).
    Veja bem, eu disse guerrilheiros! Há aqueles que (poucos) lutaram contra o regime usando apenas suas idéias democráticas.
    As próximas eleições nos mostrarão se o povo foi contaminado por essa onda imoral de populismo barato.

    Um abraço

    Paz. Muita Paz.

    J. Morgado

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  2. Bom dia, amigos e amigas!

    Hoje apresentamos, em primeira mão, mais um magistral conto do jornalista e escritor Guido Fidelis que, com rara,fina e jocosa ironia, transporta a realidade para a ficção.

    Aliás, no mais das vezes, o universo ficcional é o palco perfeito para percebermos e entendermos a realidade que nos cerca. E o Guido, lúcido, talentoso e extremamente crítico, pinta o quadro perfeito, utilizando as cores apropriadas do nosso cotidiano assustador.

    Leiam e participem!

    Abraços a todos!

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  3. ANA CÉLIA DE FREITAS.quarta-feira, 10 março, 2010

    Bom dia crianças.
    Belíssima crônica,que bom seria se fosse apenas um conto,uma invenção e que estivesse longe da realidade dos Brasileiros,mas que pena é um fato corriqueiro.
    Sempre buscamos acreditar que nas próximas eleições tudo vai mudar,que dessa vez o Brasil emplaca,mas que nada,cada vez mais a corrupção se faz presente e as leis,que não pune ninguém,ou melhor só os pobres.
    Parabéns Guido Fidelis, gostaria muito de acreditar que esse quadro que você descreveu e pintou com tanta maestria poderia um dia ser mais colorido,mas...
    Abraçossssssssssssss.
    ANA CÉLIA DE FREITAS.

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  4. Gosto muito de ler as crônicas de Guido Fidelis, uma mistura de realismo e ficção. Nesse de hoje, mais realismo, pouca ficção. Muito do nosso Brasil de hoje nos personagens envolvidos.

    Beijos

    Andressa - Cásper Líbero - SP.

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  5. Tudo bem, trata-se de mais um extraordinário conto de Guido Fidelis, mas fica dificil você ler e não criar imagens na mente, concordam? Figuras como Delúbio Soares, José Dirceu, José Genoínio entre tantas bailaram em meus pensamentos enquanto lia esse conto, mesmo com o aviso explícito na chamada do Edward e da Nivia que se tratava de uma ficção, nada mais que isso. Eu acrescentaria: qualquer semelhança é mera coincidência.

    Beijos,

    Tatiana - Metodista - SBC

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  6. Tatiana, o aviso explícito da chamada que você recebeu (***Alertamos aos leitores que este é um texto ficcional. Nada a ver com a realidade!***) é, apenas, mais uma ironia para ressaltar a realidade escrachada que o conto mostra (inclusive com as estrelinhas)!

    Abraços!

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  7. Bárbaro! Parabéns.

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  8. Magistral!!! Excelente!!! Estupendo!!!
    O conto de hoje foi simplesmente fenomenal!!!
    Eu fiquei imaginando a Dilma Roussff, pedindo emprego no PT.
    Associei a figura do lula como o panaca da chefia.

    Parabéns Guido Fidelis.
    Padre Euvideo.

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  9. Também gosto muito de ler os contos do Guido Fidelis porque estão sempre me surpreendendo. Já li vários contos e artigos do Guido publicados no Diário do Grande ABC, jornal que assinamos faz um bom tempo. As figurinhas carimbadas do mensalão, com certeza serviram de inspiração ao Guido para mais esse ótimo conto. Muito legal...

    Renata - Metodista - SBC

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. Boa tarde Guido Fidelis e amiguinhos deste blog! Uma delícia ler contos que você escreve. E concordo com muitas amiguinhas, fica dificil não ligar escândalos recentes e algumas personagens de nossa política com esse seu conto. Texto criativo, gostei muito, meus parabéns.

    Quero aproveitar para deixar um abraço afetuoso para a Cristina Fonseca pelo seu aniversário hoje. Que Deus a abençõe e que você seja muito feliz, Cris!

    Beijos,

    Liliana Diniz - FUABC - Santo André

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  12. Sorte nossa que é ficção, Guido. Imagine tudo isso fazendo parte de nossa realidade (brrrrrrrrrrr...). Fico arrepiada em pensar que uma organização poderia, com todo esse potencial mostrado em seu conto, arrumar um mensalão em nosso País, roubar nosso dinheiro transportado-o em meias e cuecas e até fortalecer grupos sem terras para invadir e apropriar-se de nossas propriedades. Ainda bem que se trata de ficção, ainda bem!

    Bjos,

    Gabriela - Cásper Líbero SP.

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  13. Guido, fantástico seu conto. Nota 10000! Meus cumprimentos!

    Priscila - Metodista - SBC

    ET: Meus cumprimentos a Cristina Fonseca que hoje está apagando velinhas. Parabéns e muitas felicidades, Cris!

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  14. Ao ficcionista Guido Fedelis.
    Ainda bem que o Edward e a Nivia enfatizaram que se tratava de ficção, do contrario iria dar um tremendo auê comigo. Ao acordar nesta manhã, (o corpo) fiquei tentando acordar a mente que tentava realçar figuras de um sonho — juro que sonhei — igualzinho ao seu conto. Lendo seu texto desconfiei: fui plagiado? Botei a usina do cérebro para andar e me tranqüilizei. Não era plágio. Eu tinha sonhado com o Lula mandando demais, sozinho, arbitrário aos beijos e abraços com Fidel e Raul, chamando de bandido um ativista que morre esquelético depois de 85 dias de greve de fome. Também no meu sonho, meio confuso, aparecia uma mulher (acho que era) levando uma metralhadora, como as guerrilheiras fizeram aqui no Brasil. Não deu para fixar claramente, mas parecia que ela com mais três, um tem cargo, mas não pia, outro perdeu o seu e manda muito usufruindo gordas benesses. O último, desde criancinha deseja ser ditador, não encontrando brecha — por enquanto — vem alimentando com empenho o processo na America Latina até chegar sua vez.
    Desculpe meu pensamento indigno. Sua ficção nada tem a ver com meu sonho.
    Você é “Fidelis-simo” na arte de produzir ficção, e eu, sou um infiel ao sonhar.
    Um abraço companheiro, do seu leitor Garcia Netto

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  15. Às vezes eu fico pensando, que mundo imundo esse que nós vivemos.
    Quantas coisas belas têm a natureza para nos inspirarmos.
    Mas parece-me que os percalços, ou as mazelas dessa nossa pobre natureza humana, são capazes de nos influenciar de maneira que sentimos igualados aos viciados em craque, ou em outra droga barata qualquer.
    Colocamos um tapa em nossos olhos iguais as dos animais de tração.
    E o nosso objetivo é sempre o que nos leva através da ação diretora.
    Eu fico indeciso, não sei se peço perdão, ou se perdoou.
    Mas a realidade é que, essa fúria chamada de vida que estamos envolvidos, nos envolve comumente em pensamentos letárgicos de uma abstração doentia, que nos leva a inversão de valores previamente elaborados no porão da nossa humilde consciência, ainda em evolução.
    Sou um homem do campo, as minhas fontes de atualização, foram introduzidas em minha vida através desse órgão de comunicação.
    Aprendo muito com ele, mas tenho o raciocínio herdado dos meus pais, que nunca devemos, ludibriar o próximo com palavras superficiais, prazerosa de se ouvir, porem duras de serem digeridas.
    <<<<<<......>>>>>>

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  16. A minha alma de criança imatura, porem observadora, me diz que a situação é agravante.
    No começo da sua crônica eu estava torcendo para que o tal cidadão, conseguisse o tal emprego.
    Imaginei o personagem na figura do meu pai, que perdeu o emprego, e saiu distribuindo currículos por todas as empresas que eram do seu perfil.
    O coitado chegava em casa desanimado, e sem esperanças.
    Mas a minha mãe que é uma excelente costureira, nunca deixou faltar nada para a nossa sobrevivência durante o desemprego do meu pai.
    Depois fui vendo a personalidade doentia do seu personagem, fiquei com raiva de mim mesmo.
    Se eu pudesse, pegaria esse individuo, amarraria em uma cadeira no fundo de um porão, e ficaria o tempo necessário para que ele fosse capaz de aprender, dizendo: Deus existe, arrependei-vos dos seus pecados, respeite os seus semelhantes, faça da sua vida um campo promissor de virtudes, desista dos tesouros materiais, cultive o verdadeiro tesouro interior, seja mais humano, e tenha a consciência de quem leva vantagens aqui na terra, estará sempre em desvantagem nos infernos.
    Pense nisso!!!

    O. Bilac.

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  17. Boa noite meus amigos (as) deste blog!
    O dia de hoje é duplamente festivo. Primeiro pelo aniversário da Cris Fonseca, amiga querida e grande força deste blog, depois porque Guido Fidelis, mais uma vez, nos deu o privilégio de ler um dos seus muitos contos que encheram páginas de mais de 12 livros e encantaram milhares de leitores. Policial, ficção, suspense, não importa, Guido domina com arte todos os gêneros e sempre agrada em cheio. Hoje provocou polêmica. Seu conto-ficção, muito próximo de uma realidade conhecida por todos os brasileiros, mexeu com nossos leitores(as). Esse conto ainda foi postado numa semana em que muito se debateu aqui no blog a corrupção, violência e os desmandos que embrutecem nosso querido País. Somos felizardos em ter você como amigo e também colaborador deste blog. Obrigado, Guido!

    Cris, deixei minha mensagem na postagem abaixo, mas nesse espaço um brinde a você pelo aniversário! Que seu caminho seja bordado de felicidade, saúde e paz!

    Um abraço bem carinhoso!

    Edward de Souza

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  18. Prezado Guido Fidelis, Depois de ler vários contos seus, de sua filha e da sua esposa, respectivamente a Lara e a Virgínia, confesso que fiquei fã de tudo que escrevem. Esse conto de hoje mexeu com todos nós. Os escândalos do nosso velho Brasil de guerra são revividos em cada linha de seu texto. E a conhecida negativa de autoria de nosso líder maior massacra nossa mente: "não sei", "não vi" e "não ouvi". Parabéns, você é formidável, Guido!

    Cristina Fonseca, meus parabéns, muitas felicidades e que essa data se repita por mais 100 anos, O.K.?

    Abraços a todos!

    Miguel Falamansa - Botucatu - SP.

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  19. Agora vou brigar com o Miguel Falamansa para se saber quem é sua ou seu maior fã. Simplesmente adorei seu conto, Guido e espero que não fique muito tempo sem nos brindar com outros. Meus cumprimentos!

    Lidiane - Metodista - SBC.

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  21. Aos amigos e leitores do blog. Obrigado pelo incentivo. Vale um esclarecimento. No mundo da política difícil discernir entre ficção e realidade. Situações absurdas, kafkanianas, como do Arrudão, parecem irreais. Onde está a ficção com a roubalheira que se vê, com a morosidade da justiça, com a impunidade? Tomara fosse mera ficção. Mas pela ficção podemos transitar nossa indignicação.

    Guido Fidelis

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  22. Este comentário foi removido pelo autor.

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  23. Bom demais ler um conto do Guido Fidelis.
    E hoje é mesmo aniversário da Nivia? Parabéns Nivia, muitas felicidades.

    Tanaka - Osasco - SP.

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  24. Parabens Guido


    Gostei demais de sua imaginação, da sutileza. Eu imaginei logo quem é o chefe da organização...
    Muito bom mesmo.
    Não fazes aniversário hoje, mas o conto é digno de festa. Parabéns. Oxalá pudesse eu escrever um
    pouquinho assim. Coroou esta data de aniversário da Cristina e da Nivia como um belo presente.

    Anfermam

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